São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Apresento meu substituto

SÃO PAULO - Fatalista como sou, nunca tive muito medo de perder o emprego. Você vai envelhecendo e sabe que, fatalmente, mais cedo que tarde surgirá um jovem talento que tomará o seu lugar.
O que, na verdade, está agora me tirando o sono é a forte possibilidade de ser substituído por um velho talento, chamado Fidel Castro, que, aos 80 anos, tornou-se colunista. Pior (para mim): colunista crítico, como manda o projeto editorial desta Folha.
É verdade que Fidel não é muito chegado a pluralismo, outra das características do projeto, mas, enfim, nunca é tarde para aprender. O que me assusta é que o ditador, embora licenciado, critica "desigualdades e privilégios irritantes", legados de sua própria construção. No Brasil, democratas de credenciais supostamente impecáveis são absolutamente incapazes de criticar o que quer que seja de seus atos, obras, ações, omissões ou frases.
Chamou-me a atenção também o detalhe do comentário de Fidel sobre o que ele próprio chamou de "distinto burocrata": "Fiquei de cabelo em pé quando, alguns dias atrás, um distinto burocrata informou, na televisão, que, agora que o período especial acabou, enviaremos mais e mais delegações para atividades externas. De onde saiu esse bárbaro?".
Fico imaginando o que o colunista Fidel Castro diria se alguma "distinta funcionária" sugerisse relaxar e gozar, durante o "período especial" da aviação brasileira. Se quem faz uma proposta relativamente inócua é "bárbaro", quem diz algo muito pior certamente seria mandado para o "paredón". Se o fizesse, não faltaria debilóide brasileiro para achar que o colunista Fidel, em vez de simplesmente constatar fatos e opinar sobre eles, faz parte de uma conspiração da mídia (neste caso, o jornal "Granma") contra o governo.
Aliás, em Cuba, só mesmo Fidel pode conspirar contra o governo e sobreviver.

crossi@uol.com.br


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