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CLÓVIS ROSSI
Apresento meu substituto
SÃO PAULO - Fatalista como sou,
nunca tive muito medo de perder o
emprego. Você vai envelhecendo e
sabe que, fatalmente, mais cedo que
tarde surgirá um jovem talento que
tomará o seu lugar.
O que, na verdade, está agora me
tirando o sono é a forte possibilidade de ser substituído por um velho
talento, chamado Fidel Castro, que,
aos 80 anos, tornou-se colunista.
Pior (para mim): colunista crítico,
como manda o projeto editorial
desta Folha.
É verdade que Fidel não é muito
chegado a pluralismo, outra das características do projeto, mas, enfim, nunca é tarde para aprender.
O que me assusta é que o ditador,
embora licenciado, critica "desigualdades e privilégios irritantes",
legados de sua própria construção.
No Brasil, democratas de credenciais supostamente impecáveis são
absolutamente incapazes de criticar o que quer que seja de seus atos,
obras, ações, omissões ou frases.
Chamou-me a atenção também o
detalhe do comentário de Fidel sobre o que ele próprio chamou de
"distinto burocrata": "Fiquei de cabelo em pé quando, alguns dias
atrás, um distinto burocrata informou, na televisão, que, agora que o
período especial acabou, enviaremos mais e mais delegações para
atividades externas. De onde saiu
esse bárbaro?".
Fico imaginando o que o colunista Fidel Castro diria se alguma "distinta funcionária" sugerisse relaxar
e gozar, durante o "período especial" da aviação brasileira. Se quem
faz uma proposta relativamente
inócua é "bárbaro", quem diz algo
muito pior certamente seria mandado para o "paredón".
Se o fizesse, não faltaria debilóide
brasileiro para achar que o colunista Fidel, em vez de simplesmente
constatar fatos e opinar sobre eles,
faz parte de uma conspiração da
mídia (neste caso, o jornal "Granma") contra o governo.
Aliás, em Cuba, só mesmo Fidel
pode conspirar contra o governo e
sobreviver.
crossi@uol.com.br
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