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O papa e a crise
Para além de polêmicas doutrinárias, encíclica de Bento 16 reforça a necessidade de reformas na economia global
GOVERNAR a globalização, civilizar a economia. Promover a responsabilidade ambiental, nas empresas e entre
consumidores. Criar mecanismos mundiais de regulamentação do mercado financeiro. Intensificar a ajuda econômica e
tecnológica a países pobres.
Propósitos desse tipo poderiam constar das resoluções de
grupos como o G8, que acaba de
reunir-se na cidade italiana de
Áquila -sem trazer novidades
ao que vai se tornando consenso
entre lideranças mundiais.
O conjunto de recomendações
sintetizado acima não provém,
todavia, dos discursos de Lula,
Obama ou Sarkozy, mas sim da
última encíclica do papa Bento
16, "Caritas in Veritate".
A rigor, não surpreende a proximidade entre as reflexões pontifícias e a crítica, hoje corrente,
aos equívocos do ultramercadismo e às irresponsabilidades, individuais e coletivas, que vicejaram no sistema financeiro ao
longo dos últimos anos. Conservadora e rígida no âmbito da vida
privada, a atitude da Igreja Católica no que diz respeito à economia caracteriza-se, há muito, pelo fato de ser talvez utópica, mas
nada fundamentalista.
Nesta sua terceira encíclica,
Bento 16 mantém-se coerente
com a doutrina social de seus
predecessores. O que se atualiza
não é apenas a abordagem de
uma série de questões específicas -que vão do turismo à imigração ilegal, das patentes farmacêuticas ao multiculturalismo-, mas também o próprio
contexto em que são divulgadas.
Com a derrocada do chamado
"socialismo real", no plano geopolítico mais amplo, e com o paralelo esfacelamento das forças
vinculadas à "teologia da libertação", no plano organizacional interno da igreja, mudou naturalmente o foco das preocupações
doutrinárias do Vaticano.
Há questão de 20 anos, criticar
o marxismo tinha como efeito
alinhar o Vaticano à direita do
espectro ideológico. Tal alinhamento automático deixou de fazer sentido: é o fundamentalismo de mercado, e não mais o estatismo totalitário, a crença a ter
seus limites e desastres expostos
à luz do dia.
Sob os selos de "progressista"
ou de "conservador", o Vaticano
mantém-se, na verdade, como
uma espécie de centro gravitacional, do ponto de vista ético, no
terreno da economia.
Como líder religioso, Bento 16
insiste, por certo, no papel da fé
cristã como o fundamento para
conferir ao progresso econômico
e tecnológico um autêntico sentido humano de fraternidade e
de justiça. Pode-se considerar,
de um ponto de vista leigo, que
são desnecessárias justificativas
transcendentes para que se busque um mundo melhor.
Esperanças desse tipo tiveram
ao longo da história momentos
de amargo desmentido. Com as
imensas dificuldades que cercam o presente, porém, merece
registro o fato de que um consenso por reformas equilibradas na
economia global aos poucos se
constitui -e a influência espiritual do Vaticano, neste ponto, reveste-se de um papel bem mais
construtivo do que naqueles, tão
polêmicos, que vinham marcando as preocupações do pontífice.
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