São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 2009

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RUY CASTRO

Acorrentados

RIO DE JANEIRO - A garota passou lentamente por mim no Leblon, mas eu já a vinha observando de longe. Parecia muito insegura, o andar instável, como se lutasse contra o vento para não adernar. Mas não havia vento. E não era embriaguez. Os olhos grandes e pretos estavam fixos em algo à sua frente, não como uma meta a atingir -apenas fixos. Bonita, classe média, 20 anos, se tanto.
O casaquinho de lã preta, a roupa fechada e a saia comprida contrastavam com a glória solar do calçadão, às 9h de sexta-feira passada. E a cor de cera, as olheiras de rolha queimada e o piercing no nariz indicavam tudo, menos uma pessoa matinal. Era mais como se sua noite estivesse terminando. Ou não fosse terminar nunca, enquanto ela tivesse crack para queimar.
O futuro da moça é previsível. Em Cruz Alta (RS), na semana passada, um jovem de 17 anos implorou à mãe que o acorrentasse à cama, para impedi-lo de sair para comprar crack. Não foi o primeiro caso -em Araraquara (SP), em 2008, houve outro igual, com um garoto de 15 anos. Ao serem libertados pelo Conselho Tutelar, ambos passavam por uma síndrome de abstinência que poderia levá-los à morte (por parada cardíaca ou respiratória) ou a matar alguém.
Quase sempre, são as mães, desesperadas, que acorrentam os filhos à cama, à força -conseguem fazer isso porque eles já estão muito fracos para reagir. Nos últimos dois anos, os jornais registraram histórias como essas, envolvendo dependentes de crack em Maceió, Aracaju e Porto Alegre. Na mesma Porto Alegre, em abril último, a pior delas: uma mãe matou acidentalmente com um tiro o filho de 24 anos, que a agredia, lutando para sair.
No Brasil, o crack, que começou por São Paulo há 15 anos, custou, mas ganhou ocupação nacional. Já é uma epidemia, e o pior ainda está por vir.


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