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RUY CASTRO
Acorrentados
RIO DE JANEIRO - A garota passou lentamente por mim no Leblon, mas eu já a vinha observando
de longe. Parecia muito insegura, o
andar instável, como se lutasse contra o vento para não adernar. Mas
não havia vento. E não era embriaguez. Os olhos grandes e pretos estavam fixos em algo à sua frente,
não como uma meta a atingir -apenas fixos. Bonita, classe média, 20
anos, se tanto.
O casaquinho de lã preta, a roupa
fechada e a saia comprida contrastavam com a glória solar do calçadão, às 9h de sexta-feira passada. E
a cor de cera, as olheiras de rolha
queimada e o piercing no nariz indicavam tudo, menos uma pessoa
matinal. Era mais como se sua noite
estivesse terminando. Ou não fosse
terminar nunca, enquanto ela tivesse crack para queimar.
O futuro da moça é previsível. Em
Cruz Alta (RS), na semana passada,
um jovem de 17 anos implorou à
mãe que o acorrentasse à cama, para impedi-lo de sair para comprar
crack. Não foi o primeiro caso -em
Araraquara (SP), em 2008, houve
outro igual, com um garoto de 15
anos. Ao serem libertados pelo
Conselho Tutelar, ambos passavam
por uma síndrome de abstinência
que poderia levá-los à morte (por
parada cardíaca ou respiratória) ou
a matar alguém.
Quase sempre, são as mães, desesperadas, que acorrentam os filhos à cama, à força -conseguem
fazer isso porque eles já estão muito
fracos para reagir. Nos últimos dois
anos, os jornais registraram histórias como essas, envolvendo dependentes de crack em Maceió, Aracaju
e Porto Alegre. Na mesma Porto
Alegre, em abril último, a pior delas:
uma mãe matou acidentalmente
com um tiro o filho de 24 anos, que
a agredia, lutando para sair.
No Brasil, o crack, que começou
por São Paulo há 15 anos, custou,
mas ganhou ocupação nacional. Já
é uma epidemia, e o pior ainda está
por vir.
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