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Lavagem estatística
Governo federal distorce dados, atiça o maniqueísmo que opõe Lula a Fernando Henrique e assim ajuda a deteriorar debate político
O esforço compulsivo do governo federal para diferenciar as administrações petista e peessedebista na Presidência da República,
com vistas à exploração eleitoral,
alcança níveis inauditos. Em vão,
ao menos na perspectiva longa da
história. O tempo revelará que
houve mais continuidade e complemento, de Fernando Henrique
Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva, do que ruptura.
Constitui mérito inquestionável
do presidente petista, entre outros
feitos, ter expandido a quantidade
e a qualidade dos empregos, as
transferências sociais de renda e o
valor do salário mínimo. A equipe
econômica do governo do PSDB
considerava impossível perseguir
os três objetivos simultaneamente. Lula mostrou que o dogma tucano estava errado.
No entanto, o petista só se viu
em condições de fomentar o consumo porque herdou uma economia mais estável, a conjuntura do
mercado mundial lhe foi favorável
e o sistema bancário estava consolidado e saudável.
Os 14 milhões de postos de trabalho cuja criação a candidata
Dilma Rousseff lhe atribui não
surgiram por passe de ideologia.
Tais empregos emergiram, ao menos em parte, com a lenta melhora
da produtividade das empresas e
alguma interiorização do desenvolvimento econômico. Tiveram
papel, ainda, os pequenos incrementos na qualificação da força
de trabalho trazidos pela universalização do ensino iniciada na
gestão anterior.
Por outro lado, nem FHC nem
Lula deram o impulso devido ao
ciclo virtuoso, equacionando o
gasto público para reduzir as taxas de juros e ampliar o investimento. Dito de outra maneira, as
deficiências também os aproximam. Em alguns aspectos, ambos
negligenciaram a oportunidade
histórica de se firmar como verdadeiros estadistas.
O marketing eleitoral e a boa
avaliação do presidente -ou seja,
a política de visão e fôlego curtos- capturaram o debate. Lula e
Dilma entreviram na exploração
sistemática das cifras comparativas a oportunidade de colocar o
adversário José Serra na defensiva. Como a estratégia tem obtido
razoável sucesso, lançou o governo federal num frenesi pela produção de números edulcorados,
com pouco respeito pela exatidão.
Boa amostra do descaso com a
qualidade dos dados foi flagrada
em reportagem de Gustavo Patu
sobre boletim emitido pelo Ministério da Fazenda. O panfleto confunde informação com propaganda e exibe erros palmares, se não
rematadas fraudes, no afã de elogiar Lula e indiciar FHC.
O texto menciona 12 anos com
superavit acima de 2%, mas o gráfico vizinho indica que em 2009
ele ficou em 1,25%. Afirma que o
PIB per capita cresceu 3,5% no período FHC, porém desconsidera o
primeiro ano de seu governo (o valor correto é 6,2%). Na melhor tradição orwelliana, chama de "passageiro" o desequilíbrio nas transações externas, que vêm piorando desde 2005.
A lavagem e a torção dos dados
evidenciam, por todo lado, uma
escassez de analistas independentes, que recusem a armadilha
maniqueísta. A cena foi tomada
pelos partidários, em matéria estatística, do quanto pior melhor.
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