São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Candidatos e carga tributária

IVES GANDRA MARTINS

A recente edição da medida provisória nš 66/2002 e as sucessivas manifestações dos quatro candidatos à Presidência da República sobre a futura política brasileira não são tranquilizadoras para os contribuintes brasileiros, que, mais uma vez, serão chamados a pagar a conta pelos erros passados ou pela inexperiência futura, com mais tributos e menos serviços públicos.
A medida provisória 66/02 se, de um lado, introduziu a moderna técnica não-cumulativa para a contribuição ao PIS, assim como restabeleceu o direito a parcelamento para empresas públicas e pagamento de atrasados com anistias parciais, sobre criar um prêmio ao bom contribuinte (bônus fiscal) -medidas indiscutivelmente positivas-, de outro lado implodiu o princípio da legalidade e todo o sistema tributário com a regulamentação da norma antielisão, além de tributar pesadamente o setor de serviços, comércio e indústrias não verticalizadas, que pagam Imposto de Renda pelo lucro real, com a elevação da alíquota do PIS de 0,65% para 1,65%.
Sobre a norma antielisão, espero que o Poder Judiciário, cuja função é garantir o Estado democrático, atalhe esta tentativa ditatorial e totalitária. Determina a "lei" que deve ser punido com a desconsideração dos atos por ele praticados o contribuinte que, sem dolo, fraude ou má-fé (termos da MP 66) cumprir a lei, apenas optando, entre duas delas, pela que lhe possibilite tributação menor.
O "princípio da legalidade" é substituído pelo "princípio do palpite fiscal" e todo o sistema tributário resta fulminado, pois quem decidirá o que vale e o que não vale não será mais o legislador, mas os humores da fiscalização ou, o que é pior, o desespero do Fisco em gerar o "necessário superávit primário" de 3,88%.
A carga tributária de 35%, sem que o Estado preste serviços públicos, atravanca o desenvolvimento nacional e gera desemprego, estando eu convencido de que, hoje, este é provocado exclusivamente pela voracidade fiscal. Pode-se dizer que o endêmico desemprego brasileiro é fundamentalmente, um "desemprego tributário", pois as empresas são assoladas por carga fiscal de Primeiro Mundo e serviços públicos do pior dos mundos, não deslanchando ou tendo que fechar suas portas.
Ocorre que os quatro candidatos, em suas manifestações, não têm apresentado nenhuma proposta consistente para mudar o cenário. Prisioneiros da tese de que o "superávit primário" de 3,88% só pode ser obtido pelo aumento da receita tributária, e não pelo corte de despesas da inchada máquina administrativa, pretendem manter a carga atual, visto que os privilégios de políticos e burocratas são intocáveis e o desinchaço da máquina, impossível; tabu este que se cristalizou na mente dos governantes mais do que as intocadas vacas sagradas na Índia.


O que parecem não perceber é que a melhor forma de aumentar a arrecadação está no corte de desperdícios do governo


Lula pretende desestimular poupanças e investimentos com a adoção do imposto sobre grandes fortunas, que não gera receita, mas problemas em todos os países, razão pela qual não é adotado pela esmagadora maioria daqueles desenvolvidos, onde, efetivamente, há grandes fortunas.
Creio que não há melhor forma de pulverizar expectativas e desincentivar investimentos no país do que sinalizar para os investidores que, daquilo que ganharam, além do imposto sobre a renda, terão que pagar também, anualmente, tributos sobre a mera detenção de seus bens.
Ciro pretende substituir o imposto sobre a renda pelo imposto sobre o consumo, de muito mais difícil aferição e exigindo quadros muito mais sofisticados de fiscalização, que nenhum país civilizado adotou. A experiência mais próxima, embora não igual à proposta, é a do Paquistão. Foi um fracasso.
Com todos os inconvenientes, o imposto sobre a renda ainda é a melhor forma de o Estado ser sócio dos produtores de riquezas -empregador e empregados-, desde que não seja confiscatório como no Brasil. De bom, sua proposta tem o fato de resgatar tese que defendi na Folha, há uma década, de que o melhor dos esquemas comportaria apenas cinco tributos (quatro impostos e uma contribuição).
A proposta de Serra, se for aquela de alguns anos atrás, não é má. Não tem, todavia, sinalizado com nenhuma alteração de monta, na política atual, apenas dizendo que, se o PIB crescer mais do que as despesas públicas, haverá campo, no sistema atual, para reduzir a carga. O busílis da questão é que entre os fatores que não permitem que o PIB cresça está o ultrapassado e oneroso sistema tributário.
Garotinho ataca o sistema financeiro, dizendo que tirará dinheiro dos bancos, o que vale dizer, atingirá todos os correntistas e usuários do sistema, sobre elevar o custo do dinheiro para empresas e compras a prazo. Creio que até agora não compreendeu bem qual é a função do sistema financeiro e do Banco Central.
Infelizmente, nenhum dos candidatos apresentou um projeto consistente de alteração do sistema tributário e da reforma, inclusive com propostas de textos legislativos, com o que os eleitores e os especialistas poderiam debater não promessas ou ilusões, mas modelos concretos de um sistema justo e desenvolvido.
O que parecem não perceber é que a melhor forma de aumentar a arrecadação está no corte de desperdícios do governo e na geração de emprego e desenvolvimento, e não no aumento de alíquotas e do peso dos tributos, que geram o oposto.
Pelo que ouvi até agora dos candidatos, dias piores virão, a não ser que, a partir de hoje, apresentem -para que o povo possa julgar- uma consistente proposta do modelo tributário ideal para o Brasil. Só assim os eleitores votarão na "esperança", e não na "fantasia".


Ives Gandra da Silva Martins, 67, advogado tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.



Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Gabriel Chalita: Escola Solidária, um sonho possível
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.