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JOÃO SAYAD
Onze de Setembro
A ficção não consegue escapar
para muito longe da realidade. A
realidade não consegue aparecer nua,
sem estar vestida de analogias e de
metáforas criadas pela ficção.
Filmes americanos tratam sempre
do mesmo tema: Super-Homem, Batman e Homem-Aranha são heróis
onipotentes, que voam, sobem pelas
paredes e sozinhos são capazes de
combater as forças ocultas do mal e
salvar Gotham City ou Nova York. Lutam contra as forças do mal e contra a
negligência da polícia ou das autoridades que não conseguem proteger a cidade. A mesma estrutura serve para
filmes sobre "serial killers", para dramas de amor ou filmes históricos.
Os italianos vêem o mundo através
da família. Na guerra, a família sofre o
fascismo. Depois, o neo-realismo
mostra a família na pobreza do pós-Guerra. Mais tarde, a influência da Itália próspera e reconstruída na decadência sobre a vida familiar.
No passado, os filmes brasileiros tratavam do homem do campo, de suas
crenças religiosas e da opressão dos
coronéis. Depois, da opressão do regime militar e da tortura. Agora o tema é
a opressão do homem urbano, pobre
ou ameaçado pela violência.
Há três anos, Nova York sofreu o
ataque terrorista que matou milhares
de pessoas e mudou o mundo. O 11 de
Setembro materializou o pior pesadelo americano -forças ocultas do mal,
caindo do céu, espalhando morte e
destruição. Órgãos de segurança e de
informação são criticados por negligência e incapacidade. Cada candidato tenta convencer os eleitores de que
é o super-homem capaz de proteger o
país do terrorismo, apesar da ineficiência dos órgãos de segurança.
Na Itália, Berlusconi propõe modificar a legislação sobre a televisão, protegendo os interesses da sua empresa.
A imposição de legislação que beneficia a empresa do presidente da República foi criticada pela oposição, mas é
um escândalo menor do que seria nos
Estados Unidos ou no Brasil. Como
aceitar uma decisão como essa numa
república? Os antropólogos têm a resposta: a legislação proposta por Berlusconi protege os negócios da sua família e, dessa forma, apesar de escandalosamente parcial, consegue ser legitimada.
No Brasil, o PT, o partido dos oprimidos, chega ao poder. Consegue
aprovar a contribuição dos inativos,
aumenta o superávit primário e mantém juros altos. Apesar da política econômica, é visto pelas massas brasileiras e pela opinião pública internacional como o governo de um presidente-operário.
Não conseguimos distinguir as coisas da percepção que temos das coisas. "O amarelo-limão é ácido como o
limão, que é ácido porque é amarelo".
Quando Mário de Andrade disse "não
sou nacionalista, sou brasileiro", estava apenas afirmando que era prisioneiro da língua, dos livros, das histórias e das paisagens brasileiras, como
todos os que nasceram e vivem aqui.
Americanos vêem o mundo como
americanos, italianos, como italianos.Todos nós, homens e mulheres do
início do século 21, vemos o mundo a
partir das ficções do nosso tempo.
Nunca saberemos o que é sonho, realidade ou pesadelo.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net
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