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TENDÊNCIAS/DEBATES
A implantação do chip para identificação eletrônica dos veículos é uma boa medida?
NÃO
Direito à privacidade
MARCOS DA COSTA
NO LIVRO "1984", de George
Orwell, as pessoas são vigiadas
por um sistema onipresente
que tudo vê e controla. Atualmente, a
segurança eletrônica e algumas leis
podem tornar o "big brother" uma
realidade. O importante em toda tecnologia é servir a seus propósitos sem
constituir uma ameaça aos direitos
fundamentais dos cidadãos, como a
privacidade e a intimidade.
O Siniav (Sistema Nacional de
Identificação Nacional Automática
de Veículos), o chip de monitoramento eletrônico que deve ser instalado
na frota de carros em São Paulo, propõe-se a coibir infrações, dar fluidez
ao trânsito e limitar os problemas no
licenciamento dos veículos -medidas certamente corretas. Porém,
abrem perspectiva para a quebra da
proteção à privacidade do motorista.
Em 1890, dois juristas americanos,
Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, publicaram um estudo considerado um marco na história do direito
moderno. Sustentaram que novos inventos e métodos comerciais reclamavam o surgimento de um novo direito fundamental do cidadão, construído a partir de direitos clássicos de
proteção à pessoa e à propriedade,
que eles denominaram direito à privacidade, correspondente, nas palavras do juiz americano Cooley, ao direito de ser deixado em paz.
Passados pouco mais de cem anos,
vivemos a necessidade da criação de
um novo direito do cidadão, curiosamente nascido a partir daquele direito à privacidade que acabou consagrado no último século, fundado nas
mesmas razões de desenvolvimento
tecnológico e de métodos comerciais,
agora por causa da tecnologia e pautado naquela mesma expressão singela,
mas marcante, de que nos deixem em
paz, direito esse que se constitui na
proteção do cidadão diante do tratamento automatizado de seus dados
-nas palavras dos espanhóis, direito
à autodeterminação informativa.
O recolhimento de informações
privadas por sistemas automatizados
sem que o cidadão saiba que seus dados são compilados; a troca de informações por órgãos públicos ou empresas, ampliando o volume de dados;
a capacidade de armazenamento de
milhões de informações; a contínua
diminuição dos custos de geração,
transmissão, arquivamento e tratamento de dados; e, finalmente, por
mais simples que possam parecer individualmente alguns dados, os resultados cada vez mais complexos dos
tratamentos informatizados, com
efetivo risco de violação à privacidade
e à intimidade dos cidadãos, tornam
imperiosa a consagração desse novo
direito no Brasil.
No caso do chip para os carros, as
autoridades estaduais e municipais
confirmam que pode armazenar número de série do veículo, placa, chassi
e código Renavam e tem capacidade
de mapear o trajeto realizado. Preocupa-nos, neste primeiro momento, a
captura e o armazenamento de dados,
podendo expor a privacidade das pessoas. Armazenados os dados, podem
vir a sofrer tratamento automatizado,
com resultados devastadores para a
privacidade do motorista.
Além disso, permitindo a tecnologia a transmissão de informações entre o chip e as antenas, existe a preocupação de que terceiros possam interceptar a comunicação, apropriando-se dos dados, inclusive para monitoramento das vias por onde um determinado veículo costuma passar.
Interesses escusos não faltarão.
A afirmação das autoridades de que
as informações serão mantidas em sigilo na CET por si só não é satisfatória, uma vez que não basta para garantir que esse banco de dados não será
acessado por terceiros. Lembremo-nos dos CDs vendidos em praças públicas com nossas declarações do Imposto de Renda. Mas, mais do que isso, não garante que, no futuro, não será modificada sua finalidade inicial.
A tecnologia a ser empregada -"radio-frequency identification"
(RFID)- utilizará uma rede de 2.500
antenas espalhadas por toda a cidade.
Hoje, o sistema será empregado para
ações ligadas ao trânsito, mas, uma
vez instalada a infra-estrutura, nada
poderá assegurar que, dentro de dois
ou três anos, seu uso não extrapolará
esses objetivos iniciais. Essa é uma
preocupação legítima de todos os cidadãos que se vêem a cada dia mais
"vigiados" pelo Estado.
MARCOS DA COSTA, advogado especializado em direito
da informática, é diretor-tesoureiro da OAB-SP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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