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RUY CASTRO
Caras
RIO DE JANEIRO - A foto está na
Folha de segunda-feira: o jovem
eleitor se abraça a Dilma Rousseff,
cola o rosto ao dela e, com o celular
na mão direita, imortaliza seu encontro com a candidata de sua predileção. O garoto tem uma expressão nirvânica, de quem guardará
aquele momento para o resto da vida. A candidata, ao contrário, parece estar no piloto automático ou
pensando na morte da bezerra
-pela expressão levemente aporrinhada, dá a entender que apenas
se submete a um ritual inevitável.
E deve ser isso mesmo. Numa estimativa conservadora, cenas como
aquela se repetem pelo menos cem
vezes por dia para Dilma. Os políticos de verdade estão habituados
-não apenas fingem ter prazer nesse rela-rela como fazem cada eleitor
se achar especial. É uma arte. Mas
Dilma não é política, não tem a manha. Ao se deixar fotografar com
um bebê de colo, parece temer que
o fedelho lhe faça xixi no terno.
No debate de domingo, pela
Band, ela e seu adversário José Serra mimosearam-se com acusações
que, até que enfim, começam a tirar
a disputa da quase letal catalepsia
que a tem caracterizado. (Eu próprio, ao assistir ao debate anterior,
último do primeiro turno, entrei
num estado próximo do "rigor mortis".) Não que tais acusações produzam resultado -como nenhuma
delas é desmentida e todas soam
como verdadeiras, acabam se cancelando umas às outras.
Desta vez, Serra acusou Dilma de
ter "duas caras", referindo-se a
suas opiniões sobre aborto, religião
etc., que variam de acordo com o
vento. Dilma devolveu o insulto, só
que multiplicado: pelo mesmo motivo, Serra seria um homem de "mil
caras" -nenhuma alusão ao astro
do cinema mudo americano Lon
Chaney, de quem ela nunca deve
ter ouvido falar.
As acusações são injustas. Se Dilma tivesse duas caras, e Serra, mil,
por que usariam as que ostentam
em público?
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