São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O outro lado do paraíso

LISBOA - O presidente Fernando Henrique Cardoso vendeu, em Portugal, a imagem de um Brasil de instituições sólidas e de economia que avança apesar das turbulências (já venceu cinco crises, na contabilidade presidencial).
O diabo é que Portugal conhece uma outra face desse Brasil: os 60 mil brasileiros que, pelas contas do consulado em Lisboa, migraram para Portugal em busca de uma vida melhor. Dez mil deles, pouco mais ou pouco menos, são clandestinos.
O fluxo aumentou nos últimos 24 meses, exatamente o período de estagnação econômica (para não falar da violência crescente nos grandes centros urbanos, que certamente deve pesar na hora da dura decisão de emigrar). Hoje, são 400 casos mensais de pedidos de visto de permanência.
Apesar de toda a parolagem em torno de "países-irmãos", "pátria-mãe" etc., o fato é que, na maioria dos casos, os brasileiros não são exatamente bem-vindos (não só em Portugal, aliás).
Vem muita gente de reduzida instrução, disposta a aceitar qualquer sacrifício, até o do esquema chamado de "esquenta-cama". Quem não tem dinheiro nem para pagar um hotel barato divide a cama com vários companheiros, dormindo pouco, mas "esquentando a cama" para o próximo. É providencial agora que o inverno se aproxima e a temperatura, pelo menos à noite, começa a ficar desagradável para quem está acostumado aos trópicos.
Com todos os entraves, dificuldades burocráticas e má vontade, ainda assim, o ímã que atrai brasileiros a Portugal (ou ao resto da Europa) é portentoso, na forma de salário e de qualidade de vida. O mínimo, aqui, é de 350 (cerca de R$ 1.230). Uma baita remuneração para quem chega de um país em que se discute se é possível ou não elevar o mínimo para R$ 240.
Inverteram-se, portanto, os sinais: Portugal exportou portugueses durante boa parte de sua história, ao passo que o Brasil importava estrangeiros. A inversão não fala bem da história recente do país tropical.


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