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CLÓVIS ROSSI
O outro lado do paraíso
LISBOA - O presidente Fernando Henrique Cardoso vendeu, em Portugal, a imagem de um Brasil de instituições sólidas e de economia que
avança apesar das turbulências (já
venceu cinco crises, na contabilidade
presidencial).
O diabo é que Portugal conhece
uma outra face desse Brasil: os 60 mil
brasileiros que, pelas contas do consulado em Lisboa, migraram para
Portugal em busca de uma vida melhor. Dez mil deles, pouco mais ou
pouco menos, são clandestinos.
O fluxo aumentou nos últimos 24
meses, exatamente o período de estagnação econômica (para não falar
da violência crescente nos grandes
centros urbanos, que certamente deve pesar na hora da dura decisão de
emigrar). Hoje, são 400 casos mensais
de pedidos de visto de permanência.
Apesar de toda a parolagem em
torno de "países-irmãos", "pátria-mãe" etc., o fato é que, na maioria
dos casos, os brasileiros não são exatamente bem-vindos (não só em Portugal, aliás).
Vem muita gente de reduzida instrução, disposta a aceitar qualquer
sacrifício, até o do esquema chamado
de "esquenta-cama". Quem não tem
dinheiro nem para pagar um hotel
barato divide a cama com vários
companheiros, dormindo pouco, mas
"esquentando a cama" para o próximo. É providencial agora que o inverno se aproxima e a temperatura, pelo
menos à noite, começa a ficar desagradável para quem está acostumado aos trópicos.
Com todos os entraves, dificuldades
burocráticas e má vontade, ainda assim, o ímã que atrai brasileiros a Portugal (ou ao resto da Europa) é portentoso, na forma de salário e de qualidade de vida. O mínimo, aqui, é de
350 (cerca de R$ 1.230). Uma baita
remuneração para quem chega de
um país em que se discute se é possível
ou não elevar o mínimo para R$ 240.
Inverteram-se, portanto, os sinais:
Portugal exportou portugueses durante boa parte de sua história, ao
passo que o Brasil importava estrangeiros. A inversão não fala bem da
história recente do país tropical.
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