São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Bases sólidas para o pacto social

RUY ALTENFELDER

Aos empresários e executivos estrangeiros que visitam a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo, em busca de oportunidades de investimento, não hesito em afirmar que as principais virtudes da população deste país são a sua persistência, capacidade de vencer dificuldades e inesgotável estoque de fé.
Afinal, poucos povos resistiriam, sem quaisquer abalos institucionais, a tantos problemas em curto espaço de tempo como os enfrentados pelos brasileiros: morte do presidente eleito Tancredo Neves, que sintetizava o movimento de redemocratização; processo constituinte tumultuado por pressões e anseios antagônicos, represados por mais de 20 anos de exceção, que culminaram numa Carta pouco adequada ao crescimento da economia; impeachment/renúncia do primeiro presidente da República eleito pelo voto direto desde o golpe de 64. Tudo isso permeado por vários pacotes econômicos "milagreiros", inflação de dois dígitos e frustradas propostas de pacto social.
Em cada um desses momentos, o brasileiro oscilou de forma abrupta entre uma nova perspectiva de redenção nacional e uma proporcional decepção. Depois da estabilidade monetária, conquistada com o Plano Real, e da consagração e amadurecimento da democracia nas eleições gerais de 2002, novamente uma proposta de pacto social apresenta-se à sociedade.
Apesar de justificado ceticismo, pois de 1985 a 1994 usou-se e abusou-se futilmente do termo, parece haver consenso de que um amplo acordo entre os setores produtivos, trabalhadores, empresários, governo, entidades de classe e terceiro setor possa conduzir o Brasil a um período duradouro de crescimento e melhoria dos indicadores sociais.
Renovam-se as expectativas positivas. A boa notícia é que hoje há bases mais sólidas para a edificação do pacto social. O Brasil não é o mesmo de oito anos atrás. A despeito das dificuldades conjunturais, a moeda é estável, o parque produtivo fez a lição de casa referente à tecnologia, produtividade e gestão, a infra-estrutura de telecomunicações e transportes deu um salto qualitativo e quantitativo, nas relações trabalhistas tem prevalecido o diálogo e o entendimento e o Estado mantém superávit primário, tanto na gestão do Orçamento quanto no balanço de pagamentos.
Acordo dessa magnitude, contudo, não deve se ancorar apenas nas perspectivas conjunturais positivas e na imprescindível vontade política, pois o empirismo poderia inviabilizá-lo, provocando um novo desgaste. É necessário partir de bases de entendimento, parcerias, convênios e protocolos de cooperação já estruturados, capazes de se multiplicar, aperfeiçoar e oferecer parâmetros ao processo.


O brasileiro oscilou de forma abrupta entre uma nova perspectiva de redenção nacional e uma proporcional decepção


Alguns exemplos de acordos bem-sucedidos entre governo, empresas e trabalhadores podem ser encontrados em São Paulo: fomento tecnológico nas cadeias produtivas, com o apoio do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e outros organismos, visando ao desenvolvimento dos chamados "clusters"; implantação do Pólo Aeronáutico da Embraer em Gavião Peixoto, no qual o Estado investiu R$ 27 milhões, além de inversões em infra-estrutura e recursos da Fapesp; criação do Pólo Aeronáutico de São Carlos e do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, que abriga cerca de 80 novas firmas privadas.
Além disso, no próximo exercício, conforme os princípios da Lei da Inovação, que tramita no Congresso, o governo paulista ampliará a aliança entre as universidades públicas e a iniciativa privada, levando a pesquisa -incluindo laboratórios e cientistas- para dentro das empresas.
Essas ações não foram adotadas de cima para baixo, de forma unilateral ou paternalista. São objeto de um pacto, ou seja, da negociação e entendimento entre organismos públicos, iniciativa privada, trabalhadores, cientistas e comunidade universitária. Logo o diálogo, a soma de competências e boas idéias estão na base do sucesso dos projetos.
Os resultados de pactos dessa natureza costumam ser positivos, como demonstram alguns indicadores: em 2001, segundo o Banco Mundial, os investimentos estrangeiros na União Européia caíram 60% e nos Estados Unidos, 59%; mas os anúncios de investimentos privados em São Paulo, inclusive estrangeiros, mantiveram-se no patamar de 2000 (US$ 23 bilhões); no primeiro semestre de 2002, os investimentos anunciados na economia paulista caíram, como em todo o mundo, mas países importantes aumentaram o volume. É o caso da Alemanha (US$ 59 milhões no primeiro semestre de 2001 e US$ 82 milhões no de 2002), Suíça (US$ 4,7 milhões/US$ 69,9 milhões) e França (US$ 120 milhões/US$ 174 milhões) etc.
Outros exemplos bem-sucedidos de acordos, em municípios, Estados e na União, devem ser focados no âmbito do pacto social agora preconizado. Com vontade política, bases econômicas mais favoráveis e exemplos concretos de diálogo e entendimento, o brasileiro pode exercitar com mais ênfase a sua indefectível virtude de ser perseverante.


Ruy Martins Altenfelder Silva, 63, advogado, é secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo.



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