São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 2005

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FREDERICO VASCONCELOS

Salvo melhor juízo

No último dia 7 , o Superior Tribunal de Justiça colocou em pauta um caso grave para a imagem do Judiciário: a ação penal contra o desembargador Paulo Theotonio Costa, do Tribunal Regional Federal de São Paulo, acusado de fraudar a distribuição de habeas corpus para libertar um narcotraficante preso.
A demora preocupava o Ministério Público Federal. Em 2001, quando a denúncia foi recebida, o relator, ministro Humberto Gomes de Barros, custou a levar o caso à Corte.
Quatro anos depois, havia pressa do tribunal para julgar a ação. Mas o quorum era insuficiente. Um ministro deixou a sessão antes do final, outro alegara suspeição. A leitura do relatório foi interrompida, até que chegassem ministros substitutos convocados às pressas. O julgamento foi retomado com quorum mínimo.
A subprocuradora-geral Cláudia Sampaio traçou um perfil do réu: "É aquele juiz denunciado no STJ por corrupção, cuja mulher é procuradora, e que tem um patrimônio incompatível, um conjunto residencial de seis prédios, construído com recursos de amigos". Ela alertou a Corte, ao dizer que o crime em julgamento é daqueles "tramados para dar a aparência de legalidade ao ato".
Em 1998, no período de férias, Theotonio Costa remeteu para si habeas corpus que deveria ser distribuído para a desembargadora Suzana Camargo (que já negara pedido igual) e libertou o traficante. O juiz foi acusado de manipular a distribuição, falsificar documento e determinar a eliminação de registros do sistema.
A defesa negou o crime. Duvidou do depoimento em juízo da desembargadora Suzana Camargo, por alegada inimizade com o réu, e considerou incontestável o de Vera Haddad, ex-chefe de gabinete do juiz e ex-sócia em negócios com parente do magistrado.
O relator não leu o seu voto. Foi conciso. Disse que a Corte já conhecia os fatos e declarou a denúncia improcedente (em 2001, fora único voto vencido, ao rejeitar a denúncia). O revisor, Ari Pargendler, também improvisou. Disse que "é muito difícil examinar as provas colhidas" e que, se o réu "não planejou os fatos, as coincidências realmente foram impressionantes". Mas votou pela absolvição, entendendo que não existiu fato criminoso.
O presidente do STJ, Edson Vidigal, propôs que o relator mudasse o voto e acompanhasse o revisor, pois improcedência e atipicidade são coisas distintas. O relator aceitou: "Eu não quero é que o homem vá para a cadeia. A essa altura, eu aceito qualquer coisa".
Quando o réu já contava com cinco votos a zero pela absolvição, o julgamento foi interrompido com o pedido de vista pelo ministro Felix Fischer (12 ainda deverão votar). Salvo melhor juízo, Fischer não deve ter ficado satisfeito com o que ouviu.
A subprocuradora lembrara que o juiz -afastado do cargo duas vezes pelo STJ- é investigado naquele tribunal por suspeita de enriquecimento ilícito e réu em nova ação penal. É acusado de fraudar a distribuição de outros processos e de vender sentença.
O advogado do juiz, Rogério Marcolino, sustentou que isso "em nada assombra a defesa", e que as demais acusações, "falsas ou verdadeiras, serão apreciadas pela mesma Corte".
Justiça seja feita, não deve mesmo ter motivos para se assombrar.


Frederico Vasconcelos é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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