São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Do jeans à USP

SÃO PAULO - Voltando da escola, o menino encontrava o pai caído no caminho de casa, bêbado: "Torrava tudo com bebida, batia na minha mãe, não deixava ela trabalhar. Às vezes a gente tinha que pegar resto de comida no fim da feira".
O menino nasceu em Brasília, onde o pai, vindo da Bahia, tentou a vida como pedreiro. Quando tinha quatro anos, o garoto e mais três irmãos mudaram-se com os pais para a periferia de São Paulo. Tinha oito anos quando a mãe se separou do marido e virou diarista. Aos nove, ele começou a trabalhar na feira. Foi ajudante de pedreiro, contínuo numa farmácia, boy numa concessionária de veículos.
Mais uma história da pobreza brasileira? Sim. Mas o "menino", desde setembro, é o titular da Secretaria Nacional da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça. Marivaldo de Castro Pereira, 31, negro, é mestre pela Faculdade de Direito da USP, onde se formou.
No depoimento que deu a Uirá Machado, na Folha de sábado, Marivaldo lembra que, na escola pública, um professor certa vez lhe deu o seguinte conselho: "Vai tentar a USP? Esquece. Compra um jeans que é mais vantajoso".
Reprovado na primeira tentativa, ele diz que foi buscar consolo para "a porrada" no rap: "A música que mais me marcou foi "Negro Limitado", dos Racionais MC's".
O que mais se vê hoje em dia são crônicas de ascensão social que têm a mão do Estado como principal causa e a explosão do consumo como principal efeito. Não vamos desmerecer a importância disso num país como esse. Mas Marivaldo parece ser menos filho do lulismo do que do próprio esforço e da obstinação da mãe: "Ela nunca admitiu que a gente não estudasse. Todos os meus irmãos conseguiram concluir o ensino superior".
É uma história, pela sua excepcionalidade, que representa, ao mesmo tempo, a promessa de uma sociedade mais decente e a denúncia de como ainda estamos longe, muito longe mesmo, dela.


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