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IGOR GIELOW
O primeiro e último
BRASÍLIA - No Museu de História Natural da Mongólia, em Ulan Bator, há uma sala que lembra o ambiente kitsch daquelas feiras de ciências em escola do interior. Nela, são
guardadas relíquias de Zhugderdemidiyn Gurragcha, o primeiro e até
aqui único cosmonauta do seu país.
Desculpem-me a terminologia, mas
sou do tempo em que quem voava em
nave russa era cosmonauta. Enfim,
lá na saleta estão o traje espacial se
desmanchando, tubos de alimentação enferrujados, pastilhas disso e
daquilo, fotos amarelecidas.
Gurragcha voou pelo programa Intercosmos, no qual a União Soviética
enviava aliados para passear no espaço em prol da propaganda comunista. O ganho era simbólico, não
exatamente científico.
O cosmonauta viajou em 1981 numa Soyuz. Em um outro modelo da
nave voará, salvo imprevistos, o brasileiro Marcos Pontes em março deste
ano. O mundo mudou e, no lugar da
retórica ideológica e da União Soviética, entraram os dólares e a Rússia
do vale-tudo. O Brasil vai desembolsar cerca de US$ 10 milhões para ter
seu homem no espaço.
Foi a saída possível, dado o vexatório desengajamento dos programas
da Estação Espacial Internacional e a
fatalidade -Pontes foi treinado para voar no ônibus espacial americano, mas o desastre do Columbia em
2003 o tirou da fila de embarque.
O timing foi favorável a Lula. Nada
como herói nacional em ano de eleição. É previsível a onda ufanista, alimentada por mídia desinformada.
Logicamente, isso não embaça o
brilho e a coragem de Pontes, preparado por anos para um dos trabalhos
mais arriscados conhecidos. Mas o
fato é que os tais "experimentos de
instituições brasileiras" não farão a
ciência local dar um salto, achar curas milagrosas. O avanço é simbólico,
defensável como tal e só.
Pontes afirma que não quer ser "o
primeiro e último". Mas a verdade é
que, dado o histórico brasileiro em
ciência, ele corre sério risco de ladear
Gurragcha no panteão de heróis ocasionais em países improváveis.
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