São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Um pobre peregrino

RIO DE JANEIRO - Não é data redonda, dessas que se comemoram de dez em dez anos. Na verdade, são 11 anos em que ocupo este espaço que o Otto Lara Resende tanto dignificou. Até hoje recebo mensagens de leitores, entre os quais me incluo, saudosos de suas colunas, de seu charme pessoal e literário. Mas não tenho o costume de mandar e-mails para mim mesmo, raramente mando para os outros.
Reconheço que cola mal a autocomemoração, mas, sem nada que fazer, ontem à noite reli o recorte antigo da primeira crônica que escrevi, em 14 de março de 1993.
O presidente de plantão era Itamar Franco, de quem sou admirador e amigo distante. Mesmo assim, não o poupei de críticas, menos contundentes do que as dedicadas ao seu sucessor e ao sucessor de seu sucessor.
Somando os 11 anos aos muitos anos de faina na imprensa, teria direito à fadiga, mas não ao silêncio. Admito minha condenável vocação ao panfleto, gênero menor do jornalismo, por ser esquemático, simplório e passional. Mas abomino o panfletário a favor e, quando estiver me assando nas caldeiras do inferno, estarei pagando por outros pecados, mas não por esse.
Terminei a minha primeira crônica comparando o ofício de cronista ao ofício do peregrino, mais especificamente do cigano, a cuja raça pertenço, segundo uma lenda familiar que eu mesmo inventei e na qual sou o único a acreditar.
Como o peregrino -ou como o cigano-, o cronista vaga como um nômade, cuja casa é "o teto vasto, céu azul", de acordo com uma tradicional canção do repertório gitano.
Todos os dias ele chega, arma a sua tenda, evoca seus fantasmas. Na manhã seguinte, recolhe sua lona esfiapada, o prato de cobre que ele próprio fabricou. Olha o horizonte mais uma vez. E parte.



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