São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Novas idéias para crescer

BORIS TABACOF

É preciso desafiar a afirmação categórica de que qualquer aceleração maior do crescimento do país resultaria apenas numa bolha passageira, à qual se seguiriam efeitos desastrosos de várias ordens. Há evidências de que um crescimento mais acelerado, acima de 3,5%, mesmo assim ainda duvidoso, não provocaria o descontrole da inflação -o que todos temos razões para evitar.
Qualquer análise objetiva dos fatores que pressionam os preços indica o fato de que os preços livres constituem a menor parte da pressão sobre os índices da inflação. Nos últimos meses, esta foi a conseqüência inevitável do aumento dos impostos, das tarifas dos serviços e dos preços da energia, principalmente em função do petróleo, além de fatores sazonais como gastos escolares e excesso de chuvas sobre algumas plantações de hortaliças.
O chamado "pricing power", isto é, a capacidade das empresas de aumentar suas margens de lucro elevando seus preços, é muito limitado. Há vários fatores que seguram esse "pricing power". Em primeiro lugar, a competição entre as empresas para alcançar a plena utilização da capacidade instalada, que seria a saída imediata para aumentar as margens de lucro, empregando a mesma quantidade de capital para aumentar a receita.


A fé em que os mercados encontrarão por si sós o caminho do crescimento não tem demonstrado eficácia


Segundo a sondagem industrial da Confederação Nacional da Indústria, a CNI, o nível de utilização da capacidade instalada vem caindo ano a ano, o que nem de longe é indício de inflação. Entre 2001 e 2003 essa utilização caiu de 73% para 71% -ou seja, há quase 30% de capacidade ociosa, que seria ainda maior se não considerássemos os setores exportadores, ainda relativamente limitados.
A utilização da capacidade instalada é maior entre as grandes empresas, que se voltaram cada vez mais para a exportação, devido, entre outras razões, à queda da demanda interna. Em 2003, cerca de 22,5% do faturamento das grandes empresas veio das exportações. Ainda assim, a utilização da sua capacidade instalada caiu de 79% para 77% nesses dois anos.
No sentido inverso, a abertura comercial do país é outro fator que limita claramente o "pricing power". Todo industrial conhece o teto de preços dos seus produtos, a partir do qual começam a ingressar os importados. Hoje o produtor brasileiro concorre com os produtores globais mais eficientes. O outro fator que limita a capacidade de mover os preços é o da cotação mundial das commodities, que não depende dos nossos juros.
E há ainda o fenômeno novo da globalização da mão-de-obra, dos empregos, após os ciclos da mundialização dos produtos na década de 80 e dos mercados financeiros nos anos 90. Os empregos migram pelo planeta. Nos Estados Unidos, segundo os últimos dados, o salário médio é de US$ 22,92 por hora, dos quais US$ 6,43 são benefícios. Não há termos de comparação com os ganhos no Brasil nem na maioria dos países, o que pode significar a abertura de novas frentes na área de serviços, especialmente em atividades "tecnificadas", como acontece na Índia. Esse é o novo ingrediente no setor de serviços, se houver desoneração dessas atividades.
Se admitirmos que não é mais possível, nem politicamente, nem moralmente, nem economicamente, segurar o crescimento e o emprego, como fazemos há pelo menos dez anos, utilizando o câmbio, os juros e o ajuste fiscal, é necessário imaginar outros cenários.
Por que não tentar inverter essa política? Os juros elevados, de acordo com a política econômica ora adotada, destinam-se a dois objetivos: permitir o financiamento da enorme dívida pública e evitar o maior crescimento do consumo, o que desencadearia mais inflação.
Os juros sobre a dívida alcançam 8% PIB, o que transforma o superávit das contas públicas, que tantos sacrifícios causa à sociedade, em déficit de 4% a 5% -o que faz com que a dívida continue subindo inexoravelmente. O motivo do aperto monetário, que é manter a capacidade de pagamento da dívida, caracteriza-se por uma contradição evidente: quanto mais altos os juros, maior a dívida.
Os dois obstáculos ao crescimento seriam, do ponto de vista dominante, o desequilíbrio fiscal e a vulnerabilidade externa. Considerando que só temos daqui em diante duas opções, crescer ou crescer, é preciso quebrar o círculo infernal dos arrochos monetário e fiscal, tentando o equilíbrio num nível mais adiante e mais elevado. A estratégia seria adotar uma política de aumento do consumo interno, em vez de temê-lo, e assumir uma política de estímulo dos investimentos, dando aos produtores um horizonte mais seguro.
A fé, dominante em Brasília, em que os mercados encontrarão por si sós o caminho do crescimento não tem demonstrado eficácia. Até nos círculos internacionais, aos quais se deseja passar uma imagem de confiança no país, já se começa a perguntar quando e como vai se dar o crescimento. A pergunta é: quando o governo do presidente Lula vai gerar mais idéias próprias para dar um salto na economia?

Boris Tabacof, 75, é presidente do Conselho Superior de Economia da Fiesp/Ciesp e vice-presidente do Conselho de Administração da Cia. Suzano de Papel e Celulose.


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