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TENDÊNCIAS/DEBATES
De Lula Rúa
CESAR MAIA
Fazer análise política comparada
exige sempre um cuidado muito
grande, especialmente quando a análise
é conjuntural. Bastaria lembrar os aforismos que cercam a idéia de que "a história se repete...". De qualquer forma, a
contextualização, as condições do ambiente econômico, social e político e do
tempo ajudam a usar esse instrumental
com muito mais precisão.
Numa região ou mesmo num mundo
globalizado e numa mesma época, a
convergência das circunstâncias é muito maior e torna particularmente atrativo aquele recurso. Há muitos anos me
atraem -e cada vez mais- as coincidências, com algum "gap" de tempo,
entre Argentina e Brasil. Entre o tango e
o samba, como fenômenos de cultura
popular urbana de uma mesma época,
entre Noel e Gardel, entre Perón e Vargas, um fascínio pelos fenômenos autoritários europeus dos anos 30, o populismo urbano, os sindicatos pelegos, os
regimes militares, a esquerda urbana, os
ciclos econômicos dos anos 40 para cá...
E, recentemente, os planos Austral e
Cruzado, Primavera e Verão, o Plano
Cavallo e a rigidez cambial do Plano
Real, o esgotamento de ambos com a
explosão cambial. E muito mais recentemente a queda conjunta e paralela
-dos mesmos e para os mesmos patamares- da taxa de câmbio do peso e do
real com os mesmíssimos megassuperávits na balança comercial.
O "gap" no tempo tem sido, antes, de
uns cinco anos e, depois, cada vez menor. A ascensão de Menem se deu cinco
anos antes da de FHC. Ambos se reelegeram utilizando o mesmo artifício de
mudar as regras do jogo no meio do
campeonato e, naturalmente, FHC saiu
cerca de quatro anos mais tarde. Mas
ambos com as suas economias encilhadas pelo esgotamento dos planos. Menem passou o bastão a De la Rúa antes
de ferver e FHC teve de deixar ferver
com ele mesmo a partir de 1999, mas
não deixou de passar o bastão quente e
uma complicada cama de gato a Lula.
Quando analiso os atos, gestos e características dos governos De la Rúa e
Lula, não posso deixar de sublinhar amplas coincidências. De la Rúa mais tímido, Lula mais falador, os dois, porém,
sem aptidão para a exigente função administrativa, gerencial. Em ambos os
casos, a política econômica de partida
foi caminhar em direção às heranças recebidas, e não contra elas. De la Rúa reafirmou o Plano Cavallo. Lula reafirma a
ortodoxia da metodologia das metas inflacionárias. Os dois viraram-se para a
Europa e carregaram na retórica das relações externas para aumentar a legitimidade interna junto às suas bases.
De la Rúa terminou trazendo Cavallo de volta. Bem, ainda não deu tempo para o Malan ser chamado
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De la Rúa e Lula acentuaram seus
compromissos sociais: o primeiro, com
a carismática Graciela Meijide, senadora e mãe líder da Praça de Maio, e o segundo, com o carismático Fome Zero.
Tudo muito bem compensado por seus
ministros da Fazenda e presidentes dos
bancos centrais reafirmando as ortodoxias herdadas.
A crise fiscal -lá e cá- foi compartilhada com os governadores de Estados/
Províncias. E, do outro lado da praça, o
Parlamento apertado nas respostas que
precisava dar sobre as propostas dos
Executivos. Como não poderia deixar
de ser, as feridas e rupturas começaram
pelo fogo amigo e pela esquerda. De la
Rúa enfrentou a espetacular renúncia
de seu vice-presidente e presidente do
Senado, líder maior da Frepaso, partido
de esquerda que se ajustou nacionalmente com a UCR, inclusive nas principais Províncias, como Buenos Aires.
Chacho Alvarez entendeu que houve
concessões entre governo e senadores e
simplesmente renunciou, debilitando o
governo pela esquerda.
Lula tem também à sua esquerda delicadas feridas e fendas internas, que se
abrem e se espalham, muito mais que
pelo Parlamento, pelas universidades,
sindicatos, intelectuais orgânicos... De
la Rúa terminou trazendo Cavallo de
volta. Bem, ainda não deu tempo para o
Malan ser chamado.
É claro que não há nenhum determinismo ou eleatismo em nada disso. Mas
sempre é bom estar atento, ouvindo de
longe Churchill ironizando os poloneses em 1945: "Existem poucas virtudes
que eles não possuam e há poucos erros
que não tenham evitado". O tempo dirá.
Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.
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