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São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

De Lula Rúa

CESAR MAIA

Fazer análise política comparada exige sempre um cuidado muito grande, especialmente quando a análise é conjuntural. Bastaria lembrar os aforismos que cercam a idéia de que "a história se repete...". De qualquer forma, a contextualização, as condições do ambiente econômico, social e político e do tempo ajudam a usar esse instrumental com muito mais precisão.
Numa região ou mesmo num mundo globalizado e numa mesma época, a convergência das circunstâncias é muito maior e torna particularmente atrativo aquele recurso. Há muitos anos me atraem -e cada vez mais- as coincidências, com algum "gap" de tempo, entre Argentina e Brasil. Entre o tango e o samba, como fenômenos de cultura popular urbana de uma mesma época, entre Noel e Gardel, entre Perón e Vargas, um fascínio pelos fenômenos autoritários europeus dos anos 30, o populismo urbano, os sindicatos pelegos, os regimes militares, a esquerda urbana, os ciclos econômicos dos anos 40 para cá...
E, recentemente, os planos Austral e Cruzado, Primavera e Verão, o Plano Cavallo e a rigidez cambial do Plano Real, o esgotamento de ambos com a explosão cambial. E muito mais recentemente a queda conjunta e paralela -dos mesmos e para os mesmos patamares- da taxa de câmbio do peso e do real com os mesmíssimos megassuperávits na balança comercial.
O "gap" no tempo tem sido, antes, de uns cinco anos e, depois, cada vez menor. A ascensão de Menem se deu cinco anos antes da de FHC. Ambos se reelegeram utilizando o mesmo artifício de mudar as regras do jogo no meio do campeonato e, naturalmente, FHC saiu cerca de quatro anos mais tarde. Mas ambos com as suas economias encilhadas pelo esgotamento dos planos. Menem passou o bastão a De la Rúa antes de ferver e FHC teve de deixar ferver com ele mesmo a partir de 1999, mas não deixou de passar o bastão quente e uma complicada cama de gato a Lula.
Quando analiso os atos, gestos e características dos governos De la Rúa e Lula, não posso deixar de sublinhar amplas coincidências. De la Rúa mais tímido, Lula mais falador, os dois, porém, sem aptidão para a exigente função administrativa, gerencial. Em ambos os casos, a política econômica de partida foi caminhar em direção às heranças recebidas, e não contra elas. De la Rúa reafirmou o Plano Cavallo. Lula reafirma a ortodoxia da metodologia das metas inflacionárias. Os dois viraram-se para a Europa e carregaram na retórica das relações externas para aumentar a legitimidade interna junto às suas bases.


De la Rúa terminou trazendo Cavallo de volta. Bem, ainda não deu tempo para o Malan ser chamado


De la Rúa e Lula acentuaram seus compromissos sociais: o primeiro, com a carismática Graciela Meijide, senadora e mãe líder da Praça de Maio, e o segundo, com o carismático Fome Zero. Tudo muito bem compensado por seus ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais reafirmando as ortodoxias herdadas.
A crise fiscal -lá e cá- foi compartilhada com os governadores de Estados/ Províncias. E, do outro lado da praça, o Parlamento apertado nas respostas que precisava dar sobre as propostas dos Executivos. Como não poderia deixar de ser, as feridas e rupturas começaram pelo fogo amigo e pela esquerda. De la Rúa enfrentou a espetacular renúncia de seu vice-presidente e presidente do Senado, líder maior da Frepaso, partido de esquerda que se ajustou nacionalmente com a UCR, inclusive nas principais Províncias, como Buenos Aires. Chacho Alvarez entendeu que houve concessões entre governo e senadores e simplesmente renunciou, debilitando o governo pela esquerda.
Lula tem também à sua esquerda delicadas feridas e fendas internas, que se abrem e se espalham, muito mais que pelo Parlamento, pelas universidades, sindicatos, intelectuais orgânicos... De la Rúa terminou trazendo Cavallo de volta. Bem, ainda não deu tempo para o Malan ser chamado.
É claro que não há nenhum determinismo ou eleatismo em nada disso. Mas sempre é bom estar atento, ouvindo de longe Churchill ironizando os poloneses em 1945: "Existem poucas virtudes que eles não possuam e há poucos erros que não tenham evitado". O tempo dirá.

Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.


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