São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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MAIS DO MESMO

Com velocidade impressionante, a turbulência no mercado financeiro fez voltarem à cena, hoje, manchetes já publicadas em 1998 e em 2001: o governo brasileiro volta a buscar recursos junto ao FMI e, mais uma, vez promete aumentar o superávit primário nas contas públicas (ou seja, o saldo positivo entre as receitas e as despesas, tirante os gastos com o pagamento da dívida).
A impressão de que se trata de "mais do mesmo" é inevitável. Até pela repetição, o conteúdo das medidas fica longe de surpreender. O governo reforça sua capacidade de arrefecer as expectativas de alta do dólar -ao ampliar seu cacife para intervir no mercado de câmbio. Ao lado disso, mostra aos seus credores sua disposição de realizar mais esforços - de contenção de gastos e de aumento de receitas- visando a manter-se capaz de honrar sua dívida.
A intenção prática das medidas é clara: constituir uma "ponte" que iniba as turbulências até as eleições e a posse do próximo governo. A reação inicial do mercado financeiro foi moderadamente favorável. Mas só o tempo dirá se as medidas serão suficientes para garantir uma transição de governo relativamente tranquila.
No entanto, mais do que especular a respeito do fôlego das medidas recentes, parece útil refletir a respeito dos motivos pelos quais o recurso a esse tipo de medida tem se revelado frequente.
O ajuste fiscal tem sido apresentado com grande ênfase como um dos maiores feitos da atual política econômica. Mais do que isso, a ele tem sido imputado o condão de consolidar a crença na capacidade do governo de honrar a dívida pública e, por extensão, a credibilidade da política econômica como um todo.
É inquietante constatar que, apesar de o governo vir demonstrando capacidade de obter elevados superávits primários desde 1999 -num esforço de intensidade e duração incomuns para os padrões internacionais-, a dívida pública vem crescendo bem mais depressa do que o PIB. A tal ponto que, como demonstram as dificuldades recentes na rolagem da dívida pública, os credores já começam a duvidar de que ela possa ser honrada.
O tipo de ajuste fiscal que vem sendo implementado já deu mostras de não ser a panacéia que se alardeia, pois não dá conta do problema da vulnerabilidade das contas externas. E essa vulnerabilidade volta e meia cobra seu preço em termos de instabilidade e pressão sobre a cotação do dólar e a taxa de juros. A alta do dólar, a persistência de juros elevados e o baixo crescimento da economia, por sua vez, realimentam as pressões sobre as contas públicas.
Na sua lógica meramente quantitativa, o ajuste fiscal vem sendo realizado em detrimento do necessário reforço da competitividade externa da economia. Exemplo claro disso é dado pela forte elevação, ao longo dos últimos anos, dos tributos que incidem de maneira cumulativa a cada etapa do processo produtivo - o que prejudica a nossa capacidade de exportar e de competir com os produtos importados.
Dada a situação já criada, a perseverança no esforço de ajuste fiscal se impõe a qualquer governo que suceda o atual. Mas o desafio é maior: é o de mudar a lógica do ajuste, saindo do "fundamentalismo quantitativista" para um tratamento do problema fiscal articulado ao da redução da vulnerabilidade externa e à retomada de um ritmo robusto e sustentado de crescimento.
Em suma, o que se requer é melhorar, radicalmente, a qualidade do ajuste fiscal. Até porque, mantida a lógica perversa que vem predominando, o crescimento contínuo da dívida pública tenderá a repor, volta e meia, o receio de um calote.


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