|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
A "lei Fleury" da democracia
SÃO PAULO - Era uma vez, num
país chamado Brasil, duas empresas que decidem fundir-se. O negócio é contra a lei. O mortal comum,
desavisado, imagina que as negociações se deram em algum aparelho
clandestino, longe das vistas de todos. Nada. A negociação foi publicamente anunciada, com nomes e números envolvidos.
Então, o desavisado mortal comum imaginará que as autoridades
reagiram e caíram matando em cima do negócio ilegal, certo?
Errado de novo. As autoridades
caíram matando em cima da lei que
proibia a fusão. Resolveram modificá-la para tornar legal a posteriori o
que era ilegal no berço. Uma completa e espantosa revisão da norma
jurídica, pela qual se diz que ninguém pode ser punido se não há lei
que determine a punição, lei que
naturalmente tem que anteceder o
crime.
No caso, o crime antecede a lei.
Como se faz a modificação da lei?
Também na clandestinidade, claro,
imaginará o tolo do mortal comum.
Errado de novo. O governo chegou
até a pensar -e publicamente- em
desempatar um suposto empate na
votação do organismo que deveria
dar o parecer decisivo sobre a mudança da lei por meio da nomeação
de um conselheiro que fosse favorável à ela. Algo como pedir, nos requisitos para a contratação de um
funcionário, que ele fosse contra
a lei.
Impensável, certo? Errado de novo. Perfeitamente "pensável" se o
país se chama Brasil. Até nem foi
necessário contratar um "desempatador", porque os dois conselheiros que eram tidos como contra a
fusão ilegal mudaram de posição da
noite para o dia e votaram a favor.
Com isso, prepara-se uma nova
lei que é a versão da democracia para a Lei Fleury da ditadura. Ou seja,
tem nome, CNPJ e endereço dos
destinatários.
Pelo menos contra a Lei Fleury,
mesmo na ditadura, houve algum
choro e ranger de dentes.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Suspeitas na Unifesp
Próximo Texto: Brasília - Melchiades Filho: O tempo e o vento Índice
|