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BORIS FAUSTO
As pedras no caminho
Pego carona , até parafraseando
o título, em um pequeno, mas incisivo, artigo de Gustavo Patú, da Sucursal de Brasília desta Folha ("No
meio do caminho havia dois Poderes", Brasil, 10/7), analisando o sentido da contramarcha do governo, cujo
alcance ainda não se conhece, no caso
das reformas previdenciária e tributária. Como diz o jornalista, caiu por
terra uma tese muito propagandeada
pelo governo: a de que as negociações
prévias "com a sociedade" e com os
governadores poderia viabilizar a
aprovação rápida e integral das reformas.
Parto desse ponto para indagar qual
é a raiz dessa percepção governamental. No que diz respeito ao entendimento com a "sociedade", o governo
parece ter acreditado que o CDES
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poderia
fazer as vezes da sociedade, incorporando seus segmentos mais representativos. Essa crença tem muito a ver
com a experiência sindical do presidente e de integrantes de sua equipe,
ainda que o CDES não possa ser visto
como uma "junta de conciliação". O
problema é que a sociedade é muito
mais complexa do que um órgão dessa natureza, com poderes essencialmente consultivos cujas deliberações
pouco peso parecem ter.
Na postergação do Judiciário e do
Congresso, notadamente no caso deste último, o presidente Luiz Inácio refletiu um traço profundo de nossa
cultura política, com ressonâncias autoritárias, que vislumbra no Executivo a instituição capaz de dar rumos ao
país e, no Congresso, a instância causadora de embaraços.
Assim pensaram, apesar de suas
concepções diversas, o marechal Floriano, que se incomodava também
com a liberdade de imprensa, e Getúlio Vargas, para quem a Constituição
de 1934 representava um estorvo. Assim pensaram muitos mais, como o
presidente Campos Sales, filho dileto
da Velha República que se referia ao
Executivo como "o poder por excelência" e instituiu a política dos governadores, não sem paralelo, guardadas
todas as diferenças, com os dias que
correm.
Não se trata aqui de defender sem
ressalvas o Judiciário e o Congresso,
cujos males são notórios e denunciados pela mídia, todos os dias. Mas isso
não pode levar a desconhecer o papel
desempenhado por essas instituições,
seja, no primeiro caso, no sentido da
interpretação e da aplicação das leis;
seja, no segundo caso, no sentido de
legislar, a partir de um mandato conferido pela cidadania. Do modelo à
prática vai uma distância -às vezes
uma gritante distância-, mas é esse o
desafio a ser superado, sem pretender
chegar a uma perfeita identificação
entre o modelo e a realidade.
É desnorteante para o país que o
presidente um dia proclame que só
Deus poderá obstaculizar as reformas, numa clara alusão ao Congresso
e ao Judiciário, sem falar nos servidores públicos, e depois dê marcha a ré
em suas palavras. Como isso vem
acontecendo muitas vezes, não seria
demais lembrar que as bravatas, justificadas pelo presidente -remetendo
ao passado-, pelo suposto papel de
oposição, continuam infelizmente a
integrar seu discurso nos dias de hoje.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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