São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2010 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Não as obriguem a sofrer
NILCÉA FREIRE
Sofrimento. Essa é a palavra que resume o sentimento de mulheres gestantes de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral). Além da dor imposta pelo diagnóstico, elas enfrentam uma verdadeira saga nos tribunais ao terem de negociar sua angústia com promotores e juízes em busca de conquistar o direito legal para interromper a gravidez. Infelizmente, no Brasil, a autorização para a antecipação de partos de fetos anencéfalos é feita caso a caso e envolve crenças e valores dos juízes. No último dia 17, mais um tribunal autorizou a interrupção da gestação de um feto anencéfalo. Apesar de negada em primeira instância, a decisão da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi unânime. O relator, desembargador Alberto Henrique, enfatizou que a continuação da gravidez "tornou-se um sacrifício para a mãe". Essa liminar funda-se em três preceitos básicos da Constituição Federal de 1988: o respeito à dignidade humana; o direito à liberdade e à autodeterminação; e o direito a uma vida saudável. Estima-se que, no país, 2.000 mulheres grávidas de fetos anencéfalos já interromperam a gestação por meio de alvarás judiciais. Na maioria, são mulheres pobres e usuárias dos serviços públicos de saúde, em que a exigência da autorização judicial é condição para o procedimento. Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia apontam que mais de 97% dessas mulheres estão expostas a riscos de saúde. É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove meses a gravidez de um feto que nascerá morto ou morrerá instantes após o parto. Também é desumano submetê-la a uma gestação de risco. Nessa situação, é inegável a atitude autoritária do Estado, que força mulheres a se manterem grávidas contra sua vontade. Portanto, é fundamental deixar claro que as mulheres não necessitam de tutela para tomar decisão; elas necessitam de informação e apoio para fazer suas escolhas. Nesse processo, é importante que elas sejam vistas como sujeitos de direito e respeitadas como tal. Diante desse contexto, urge que o Supremo Tribunal Federal coloque na pauta de seu pleno a questão. As quatro audiências públicas realizadas ao longo de 2009, que contaram com a participação de representantes governamentais, entidades da sociedade civil e especialistas da área forneceram elementos fundamentais à decisão dos ministros, incluindo toda sorte de contraditórios. É preciso que haja uma decisão definitiva sobre o caso para que gestantes não sejam submetidas a uma verdadeira via-crúcis. Estudos mostram que a maioria das mulheres grávidas de fetos anencéfalos prefere antecipar o parto. Pesquisa feita em 2008 pelo Ibope mostra que 72% das mulheres católicas entrevistadas são a favor de que grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar entre interromper a gestação ou mantê-la. Uma alteração na legislação vigente não significará a obrigatoriedade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, mas a facultará e reconhecerá que o direito à não violência é inalienável. É fundamental, nesses casos, que as mulheres possam decidir se desejam ou não levar adiante a gestação, e o Estado deve garantir todos os recursos necessários para dar suporte às suas escolhas. NILCÉA FREIRE, 57, médica, é ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Antonio Delfim Netto: Probabilidades Próximo Texto: Martin Grossmann: A atualidade do Centro Cultural São Paulo Índice |
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