São Paulo, terça-feira, 14 de agosto de 2007

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CARLOS HEITOR CONY

Lua-de-mel em Bariloche

RIO DE JANEIRO - Das muitas coisas que não entendo, uma é a mania dos usuários de celular de fazerem os outros participar contra a vontade de suas venturas e desventuras. Minha curiosidade pela vida alheia não chega a tanto. Outro dia, num restaurante, em mesa próxima, uma senhora falava com uma amiga que lhe contava detalhes da lua-de-mel da filha num hotel de Bariloche.
De início, não prestei atenção, mas era impossível não ouvir a história de um casamento que terminou no segundo dia da lua-de-mel. É bem verdade que só ouvia parte do diálogo, que me pareceu escabroso -a minha vizinha de mesa estava indignada, mais do que isso, insultada. Seus comentários, inicialmente, eram de espanto, mas aos poucos foram se tornando perplexos e terminaram escandalizados.
A coisa começou com um genérico pesar pelo casamento desfeito. "Que pena!, nem deram tempo para melhor se conhecerem". Os comentários foram aumentando de gênero, número e grau. Depois de certo tempo limitaram-se a exclamações, revelando descrença: "não, não é possível!", "não acredito!", "não, não me diga!", "o quê?".
Houve um silêncio em que a senhora, olhos arregalados, apenas ouvia o que a outra contava. Durou pouco o silêncio. Aumentando o tom de voz, ela estertorava: "não é possível, oh não, não acredito, o quê???, por trás?".
O restaurante estava cheio. Com o desenvolvimento da conversa, todos fingiam não prestar atenção aos lances nupciais de Bariloche. Não se ouvia o barulho de um talher, os garçons pisavam mansinho.
É bem verdade que, após o último detalhe, a conversa esfriou e logo acabou. Todos voltamos a comer, mas paramos outra vez. Desligado o celular, a senhora ligou-o outra vez. Entrou de sola no assunto: "Você não imagina o que acabei de saber!".


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