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CARLOS HEITOR CONY
Lua-de-mel em Bariloche
RIO DE JANEIRO - Das muitas
coisas que não entendo, uma é a
mania dos usuários de celular de fazerem os outros participar contra a
vontade de suas venturas e desventuras. Minha curiosidade pela vida
alheia não chega a tanto. Outro dia,
num restaurante, em mesa próxima, uma senhora falava com uma
amiga que lhe contava detalhes da
lua-de-mel da filha num hotel de
Bariloche.
De início, não prestei atenção,
mas era impossível não ouvir a história de um casamento que terminou no segundo dia da lua-de-mel.
É bem verdade que só ouvia parte
do diálogo, que me pareceu escabroso -a minha vizinha de mesa estava indignada, mais do que isso, insultada. Seus comentários, inicialmente, eram de espanto, mas aos
poucos foram se tornando perplexos e terminaram escandalizados.
A coisa começou com um genérico pesar pelo casamento desfeito.
"Que pena!, nem deram tempo para
melhor se conhecerem". Os comentários foram aumentando de gênero, número e grau. Depois de certo
tempo limitaram-se a exclamações,
revelando descrença: "não, não é
possível!", "não acredito!", "não,
não me diga!", "o quê?".
Houve um silêncio em que a senhora, olhos arregalados, apenas
ouvia o que a outra contava. Durou
pouco o silêncio. Aumentando o
tom de voz, ela estertorava: "não é
possível, oh não, não acredito, o
quê???, por trás?".
O restaurante estava cheio. Com
o desenvolvimento da conversa, todos fingiam não prestar atenção aos
lances nupciais de Bariloche. Não
se ouvia o barulho de um talher, os
garçons pisavam mansinho.
É bem verdade que, após o último
detalhe, a conversa esfriou e logo
acabou. Todos voltamos a comer,
mas paramos outra vez. Desligado o
celular, a senhora ligou-o outra vez.
Entrou de sola no assunto: "Você
não imagina o que acabei de saber!".
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