São Paulo, terça-feira, 14 de setembro de 2004

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Como cortar um nó górdio

Dá-se por favas contadas a reeleição do atual presidente. Engano. Se o eleitorado encontrar quem encarne com credibilidade a alternativa pela qual ele votou em vão em 2002, abandonará, sem cerimônia, tanto os governantes de hoje quanto os governantes de ontem. Romper a alternância postiça entre o PT e o PSDB é difícil, mas não é impossível. Exige a convergência de três acontecimentos.
O primeiro acontecimento tem de ocorrer no plano das idéias. O debate no Brasil segue trilha convencional. De um lado, estão os que insistem na diretriz dominante, de privilegiar a confiança financeira e de fazer as "reformas". De outro lado, levantam-se os que propõem dar prioridade ao desenvolvimento e ao aumento das exportações, a serem alcançados graças a parcerias entre o Estado -seus bancos e agências de fomento- e grandes empresas nacionais ou estrangeiras. Estes querem ver o Brasil transformado na Coréia da década de 1970. É visão passadista e obtusa. Ignora o que o mundo e o país são hoje. Após o pleito de outubro, o governo coroará essa falsa discussão com a falsa síntese que ela merece: o desenvolvimentismo da década de 70 será simplesmente agregado, com maior ênfase do que já recebe, à pseudo-ortodoxia da década de 90.
Tanto o falso debate quanto o seu falso desfecho devem ir para o lixo. Importante no Brasil hoje é nova classe média -laboriosa, empreendedora e frustrada, comprometida com ideal de iniciativa e de auto-ajuda, porém carente de meios para qualificar-se e para avançar. É essa classe, da qual os prebendeiros do PT representam vertente pervertida, que dá o tom no Brasil agora, abrindo caminhos e definindo aspirações para a massa de trabalhadores. A tarefa é dar vez a esses emergentes e, por meio deles, à maioria. Tarefa que se executa democratizando oportunidades de ensino e de emprego e liquidando o regime de troca de favores entre governantes e endinheirados. Um governo corruptor e chantagista levou esse regime ao auge.
O segundo acontecimento precisa dar-se no domínio das alianças partidárias. Esse choque de oportunidade e de lei só encontrará instrumento político se as correntes esquerdizantes que já romperam -ou que romperão- com o governo Lula se aliarem a forças tidas por conservadoras para ganhar o poder central e mudar o rumo do país. O PDT, o PPS e os inconformados do PMDB, do PSB, do PC do B e do próprio PT precisam decidir se querem fazer figura ou fazer diferença. E o PFL precisa decidir se, em vez de ser confederação de chefias regionais, sem outra proposta que não seja encolher e baratear o Estado, representará idéia nacional de efetivação e de popularização das liberdades políticas e econômicas. Idéia que só se viabilizará por meio de inovações institucionais e de alianças arrojadas. São requisitos para poder arrancar a política brasileira da alternância entre o PT e o PSDB. E para libertar a sociedade brasileira do controle dos grandes interesses organizados que a sufocam.
O terceiro acontecimento há de transcorrer no campo dos indivíduos e das emoções. Nada disso se tornará realidade se não surgirem homens e mulheres que se façam conhecer como agentes da alternativa negada ao país. Penoso furar o bloqueio do desconhecimento. Sensacional o resultado possível se ele começar a ser furado. É um problema de imaginação -e de grandeza.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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