São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Não viu e não gostou

LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA

Para o paciente, a questão de quem gerencia o hospital é secundária. O que realmente importa é ser bem atendido

O DEBATE em torno da proposta do governo federal de gestão de hospitais públicos por fundações estatais de direito privado, com orçamentos preestabelecidos, contrato de metas e funcionários admitidos sob o regime da CLT, deve ser conduzido, obrigatoriamente, sob a ótica da melhoria da qualidade da prestação de serviços aos usuários do SUS (Sistema Único de Saúde).
Quando o cidadão adoece, é fundamental que lhe seja garantido atendimento ágil, prestado por profissionais capacitados, em unidades de saúde bem equipadas. Para o paciente, a questão de quem gerencia o hospital é secundária. O que realmente importa é ser bem atendido e, se possível, ter seu problema de saúde rapidamente solucionado.
Em São Paulo e no país, há mais de uma década hospitais são apoiados por fundações privadas que os auxiliam a melhorar a gestão dos serviços públicos de saúde oferecidos à população. São exemplos dessas parcerias o Hospital das Clínicas de São Paulo, o InCor, o Dante Pazzanese, o HC de Ribeirão Preto e o Instituto Nacional de Câncer, entre outros.
Pesquisa Datafolha realizada com médicos e divulgada recentemente apontou o HC de São Paulo entre os quatro melhores hospitais da capital paulista, ao lado de Albert Einstein, Sírio Libanês e Oswaldo Cruz, todos particulares. O Dante Pazzanese e o InCor também ficaram bem posicionados no atendimento de cardiologia -o que comprova, mais uma vez, a qualidade dessas instituições e a importância das fundações de apoio.
A mudança proposta pelo Ministério da Saúde procura modernizar arcaicas e impróprias regras da gestão pública que acabam permitindo a preservação de privilégios, direitos adquiridos e controle de meios em detrimento, muitas vezes, dos objetivos finais das unidades de saúde, ou seja, a garantia do atendimento de qualidade aos usuários.
No Estado de São Paulo, há nove anos se adotou um novo modelo de gerenciamento de hospitais públicos baseado em contratos de gestão entre o governo e entidades filantrópicas para administração de unidades de saúde com metas de qualidade, quantidade e rapidez nos atendimentos.
Os resultados são extremamente positivos. Atualmente, 19 hospitais são gerenciados pelas chamadas OSs (Organizações Sociais).
Em 2006, esses hospitais estaduais internaram cerca de 90 mil pacientes a mais do que essas mesmas unidades atenderiam se estivessem sob administração direta -e com gasto R$ 240 milhões menor. Isto é, atenderam mais gastando menos.
Nessas unidades, o índice de satisfação dos usuários chega a 95%. O Banco Mundial apontou o modelo como exemplo viável e extremamente positivo para a gestão de hospitais públicos na América Latina.
Certamente, como afirmou o presidente do Conselho Nacional de Saúde nesta Folha ("Tendências/Debates", 27/8), se a administração pública estatal não vai bem, é preciso melhorá-la. Mas a área da saúde precisa de soluções urgentes e ousadas. Não se trata de burlar leis, mas de , modificando e modernizando a legislação existente, criar novas formas de bem atender ao cidadão. Atendimento público e gratuito, mas não necessariamente estatal.
É evidente que é preciso criar novos mecanismos de fiscalização e controle para garantir a transparência da gestão do dinheiro público. Já alertamos sobre a necessidade de que os critérios estabelecidos para a nomeação dos dirigentes e as avaliações dos serviços prestados pelas novas fundações sejam absolutamente técnicos. Evitar ingerências de natureza político-partidária e garantir a gerência profissional das novas fundações são elementos essenciais ao sucesso da proposta federal.
No sistema de Organizações Sociais, a lei paulista prevê que uma entidade só poderá ser qualificada para administrar um hospital do governo se tiver, no mínimo, cinco anos de experiência na prestação de serviços de saúde. A prestação de contas das OSs é encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado, à Assembléia Legislativa e a uma comissão composta por membros do Conselho Estadual de Saúde e da sociedade civil. Ou seja, existe total transparência e controle dos gastos públicos realizados.
Há bons motivos para acreditar que o projeto de fundações estatais do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, pode dar certo.
Tudo dependerá, evidentemente, da maneira como esse processo for conduzido. Não há dúvida, entretanto, de que é preciso inovar. Afirmar que um projeto inspirado em modelos que já deram certo não será bem-sucedido, além de precipitado, é coisa de quem "não viu e não gostou".


LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA, 54, médico sanitarista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo.

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