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TENDÊNCIAS/DEBATES
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debates@uol.com.br
O mito da tributação elevada no Brasil
MARCIO POCHMANN
As especificidades do Brasil dificultam comparações. Cabem duas observações que desconstroem o mito
da tributação elevada
O
TEMA relativo ao peso dos impostos, taxas e contribuições
no Brasil permanece ainda
sendo tratado na superfície. A identificação de que a carga tributária supera 35% do PIB (Produto Interno Bruto) é um simples registro, insuficiente, por si só, para permitir comparações adequadas com outros países.
Ou seja, mencionar que o Brasil
possui carga tributária de país rico,
embora se situe no bloco das nações
de renda intermediária, ajuda pouco,
quando não confunde o entendimento a respeito das especificidades nacionais. Elas dificultam análises comparativas internacionais e exigem
maior investigação.
Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que
terminam por desconstruir o mito da
tributação elevada no Brasil.
Em primeiro lugar, a observação de
que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre
os brasileiros. Como o país mantém
uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da
arrecadação fiscal.
Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.
Os 10% mais ricos, que concentram
três quartos de toda a riqueza do país,
estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e
especialmente sobre eles -como o
tributo sobre grandes fortunas-, seja
porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais
para planejar ganhos quase ausentes
de impostos, taxas e contribuições.
Já os pobres não têm escapatória,
pois estão condenados a compartilhar suas reduzidas rendas com o financiamento do Estado brasileiro. Isso porque a tributação brasileira é pesadamente indireta, ou seja, arrecada
a maior parte em impostos sobre produtos e serviços -portanto, pesa mais
para quem ganha menos.
Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito "tímida"
em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem
cinco faixas e alíquotas de até 40% e,
na França, 12 faixas com até 57%, no
Brasil tem apenas duas, com alíquota
máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR,
nem progressividade têm.
As habitações dos mais pobres, por
exemplo, pagam, proporcionalmente
à renda, mais tributos em geral do que
aqueles que residem nas mansões,
enquanto os grandes proprietários de
terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes.
Aqueles com renda acima de R$
3.900 contribuem apenas com 23%.
No entanto, quem vive com renda
média mensal de R$ 73 transfere um
terço para a receita tributária.
Em síntese, a pobreza no Brasil não
implica somente a insuficiência de
renda para sobreviver, mas também a
condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.
Em segundo lugar, a observação de
que a carga tributária corresponde à
capacidade efetiva de gasto da administração pública brasileiro, conforme comparações internacionais indicam ser. No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1
termina sendo alocado livremente
pelos governantes.
Isso porque, uma vez arrecadado,
configurando a carga tributária bruta,
há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros
do endividamento público.
Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3
arrecadados só passeiam pela esfera
pública antes de retornar imediata e
diretamente aos ricos (recebimento
de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões.
Assim, o uso da carga tributária
bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.
Talvez o mais adequado possa ser
análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a
magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao
tamanho da renda dos brasileiros,
pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o
conjunto das políticas públicas.
Nesse sentido, a tributação elevada
é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada
em 12% do PIB já faz tempo. O que
tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma
vez arrecadados, são imediatamente
devolvidos, o que impede de serem
considerados efetivamente como peso da tributação elevada.
MARCIO POCHMANN , 46, economista, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Foi secretário do
Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura
de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
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