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São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Que fazer?

O horizonte de um governo eleito para mudar tudo restringiu-se cedo à combinação de pseudo-ortodoxia econômica com homenagens inócuas aos pobres. Como começar a reação e construir a alternativa?, perguntam, perplexos, muitos. Com que partidos e líderes? Alguns ainda esperam que o governo se reoriente, tangido pela ocorrência ou pela ameaça da derrota eleitoral. Outros já têm por definitiva sua rendição, mais por pequenez dos homens do que por imposição dos fatos. Os dois grupos enfrentam, porém, o mesmo imperativo de ação. Se houver como mudar a direção do governo, não há de ser sussurrando nos ouvidos das poucas pessoas que o conduzem; é fazendo com que a nação ouça outra voz e exija outro rumo.
Convém partir da correção de um erro. Nos anos que antecederam a eleição de 2002, insistiu-se em afirmar a superioridade de candidaturas apoiadas por grandes partidos sobre outras supostamente personalistas ou messiânicas. Os grandes partidos protagonizariam opções sólidas, fundadas na representação das forças organizadas da sociedade brasileira. E o vínculo do candidato com tais partidos seria necessário para assegurar ao governo eleito condição para governar.
Tudo falso. Os grandes partidos brasileiros não oferecem alternativas claras nem possuem bases fixas. Tanto assim que o atual governo do PT -o maior e mais organizado dos partidos- logo aderiu ao ideário da coalizão que acabara de derrotar. Esforçou-se por trocar de base, substituindo a pequena burguesia radicalizada e organizada (que agora aponta como vilã) por aliança entre os financistas e os famintos. E entregou-se, em nome do resguardo da hegemonia política, ao fisiologismo a que se contrapusera.
Por outro lado, a história recente demonstra que, eleito o governo, os partidos, com poucas exceções, só militam na oposição quando não lhes sobra pretexto ou oportunidade para aderir. Isso não quer dizer que regime de partidos e elenco de alternativas não sejam indispensáveis ao país. O problema é como chegar lá: não chegaremos fingindo que já chegamos.
A solução é aceitar o Brasil como ele é para poder transformá-lo. A primeira preocupação dos que quiserem hoje construir alternativa não deve ser fundar partidos ou negociar com eles. Deve ser reunir gente na sociedade civil -e sobretudo entre todos os que se identificam com os interesses do trabalho e da produção- em torno de propostas simples, práticas e arrojadas para soerguer o país. Hipotecada a televisão ao governo, é inevitável que esse processo comece dentro das minorias da classe média politizada que continuam a ser o centro de gravidade da política brasileira. A prática de resistência, de instigação e de persuasão formará líderes e organizações. A mensagem, abafada no início, acabará por se fazer ouvir. O eleitorado encontrará a quem se voltar; não terá de escolher entre as vertentes petista e tucana do mesmo projeto malogrado. Nessa hora, surgirá de repente a base partidária da alternativa.
Não é partido que nos falta para trilhar esse caminho áspero. O que nos falta é ânimo. Se não pudermos atuar por esperança, que atuemos por indignação. Esperança, tal qual partido, virá depois.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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