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DEMÉTRIO MAGNOLI
Duas histórias nucleares
Na síntese de Raymond Aron,
os Estados orientam-se, no sistema internacional, por uma tríade estratégica: a segurança, a potência e a
glória. O Irã interpreta a segurança como a capacidade de proteger-se de um
Iraque hostil, a potência como a capacidade de dissuadir Israel de lançar
um ataque nuclear preventivo e a glória como a difusão das suas idéias no
Oriente Médio e no mundo muçulmano em geral.
Há duas semanas, o Irã anunciou
que seu míssil Shahab-3 adquiriu alcance de 2.000 quilômetros, mais do
que suficiente para colocar Israel no
seu raio operacional. Ao mesmo tempo, o governo iraniano rompeu um
acordo informal de suspensão de
qualquer atividade relacionada ao
enriquecimento de urânio. Outros indícios reforçam as suspeitas de que o
programa nuclear do país tenha sido
redirecionado para a produção de
bombas atômicas.
O governo do Irã nega que pretenda
desenvolver armas nucleares e ameaça abandonar o TNP (Tratado de
Não-Proliferação Nuclear) caso seja
submetido a sanções internacionais.
Tanto Bush quanto Kerry alçaram a
"ameaça iraniana" ao topo de suas
prioridades. Mas, se os iranianos de
fato viraram o leme na direção da
bomba, é porque extraíram lições realistas de duas histórias divergentes: o
Iraque e a Índia.
O Iraque desenvolvia ativamente
um programa nuclear militar no final
da década de 80. Nos estágios iniciais
do programa, Saddam Hussein decidiu invadir o Kuait. A Guerra do Golfo, de 1991, e o subseqüente regime de
sanções e inspeções imposto pela
ONU deterioraram o programa nuclear iraquiano, que parece ter sido
oficialmente abandonado em algum
momento de 1993.
As inspeções da ONU prosseguiram
até 1998, quando Saddam Hussein expulsou os inspetores, mas, como hoje
se sabe, não retomou o programa nuclear. A invasão e a ocupação do Iraque evidenciam o sentido da doutrina
da guerra preventiva de George Bush:
os Estados Unidos proclamam o seu
direito de agir militarmente contra Estados que teriam a intenção de desenvolver um arsenal nuclear, mesmo se
não existir um programa nuclear com
fins militares em execução.
A Índia recusou-se a assinar o TNP e
conduziu seu primeiro teste nuclear
em 1974, mas, em seguida, suspendeu
indefinidamente novos ensaios. Durante mais de duas décadas, o país
equilibrou-se na zona cinzenta das
potências nucleares "ocultas", que
abrangia também o Paquistão e Israel
e hoje abrange a Coréia do Norte. Em
maio de 1998, as cinco explosões atômicas conduzidas no deserto do Rajastão detonaram a ambigüidade e
deslocaram a Índia para o círculo das
potências nucleares abertas. Na ocasião, um enfurecido Bill Clinton
ameaçou soterrar os indianos sob toneladas de sanções e o ministro do Exterior paquistanês vaticinou: "Isso
não vai parar por aqui. A Índia forçará
a sua admissão como membro permanente do Conselho de Segurança
da ONU".
As sanções contra a Índia nunca
provocaram danos sérios e acabam de
ser virtualmente eliminadas. Em setembro, na moldura da "guerra ao terror", Bush e o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, firmaram
acordos bilaterais de cooperação em
programas de defesa antimísseis, comércio de alta tecnologia e usos civis
da energia nuclear. Logo depois, Índia, Japão, Alemanha e Brasil articularam uma campanha comum pela admissão dos quatro num Conselho de
Segurança ampliado.
Índia ou Iraque? O Irã já fez uma escolha.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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