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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os países que possuem armas nucleares são
necessariamente uma ameaça à paz mundial?
SIM
Cogumelos venenosos
RICARDO SEITENFUS
ALÉM DE ameaçar a paz mundial e criar duas categorias de
Estados (o reduzido condomínio atômico e os demais), os países
dotados de armas nucleares formam
terrível sombra sobre a humanidade.
Apesar da diminuição de sua capacidade destrutiva, resultante das negociações soviético-americanas, a nocividade dos atuais arsenais nucleares ainda se mantém em patamares
muito elevados. Assim, estima-se que
mais de 27 mil ogivas nucleares estejam à disposição -das quais 26 mil
pertencem à Rússia e aos EUA-,
prontas para serem acionadas a qualquer momento, com uma força destrutiva capaz de aniquilar várias vezes
toda a vida existente na Terra.
O filósofo francês Raymond Aron
resumiu de maneira sutil e adequada
a era inaugurada pelo lançamento das
bombas nucleares dos Estados Unidos sobre Hiroshima e Nagasaki e a
subseqüente corrida armamentista:
"Guerra impossível; paz improvável".
Com efeito, não houve conflito direto entre duas ou mais potências
atômicas. No entanto, a improbabilidade da paz se transformou logo em
certeza da guerra na medida em que
os países nucleares se digladiaram
por meio de terceiros, que cederam os
cenários e a grande maioria das vítimas das duas centenas de guerras que
ceifaram mais de 50 milhões de vidas.
Por obra das potências nucleares,
guerras outrora localizadas se transformaram em regionais. Estas, por
sua vez, se tornaram internacionais.
O desequilíbrio de poder no sistema internacional decorrente do monopólio nuclear é flagrante: 4% dos
Estados são detentores de armas atômicas e exercem uma dominação inconteste.
Além do poderio militar, a
maioria deles desfruta do poder político, legitimado juridicamente, ao integrar o Conselho de Segurança das
Nações Unidas na condição de membro permanente, com poder de veto.
O mais grave, porém, é que, além da
injustiça da atual engenharia do poder internacional imposta à grande
massa de Estados, o sistema é ineficaz
para prevenir e resolver os conflitos.
Em lugar de assistirmos ao desmantelamento dos arsenais nucleares, tal como propugnam os preâmbulos da carta constitutiva da Agência
Internacional de Energia Atômica
(AIEA, 1957) e do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP, 1968), e o
conseqüente abandono das armas
nucleares de forma generalizada, o
que ocorre é exatamente o contrário:
o condomínio nuclear mantém seus
arsenais, e as armas atômicas são disseminadas em duas dimensões.
A primeira é vertical. O processo de
miniaturização, de privatização tecnológica e de comércio ilegal de substâncias químicas propicia a disseminação das armas. O Instituto de Controle Nuclear de Washington concluiu que pessoas sem conhecimento
técnico poderiam, num prazo de um
ano, fabricar uma bomba caso dispusessem de quantidade suficiente de
urânio 235 ou de plutônio 239.
A segunda disseminação é horizontal. De 1945 até o presente, foram realizadas 1.860 explosões nucleares pelas oito potências atômicas. Os Estados Unidos são responsáveis por 56%
do total de testes (1.032), seguido pela
Rússia (715).
O recente ingresso de Pyongyang
no condomínio -apesar da ausência
de comprovação de seu teste- demonstra os limites do TNP. Alegando
defender os "interesses supremos do
país", como prevê o artigo 10º, a Coréia do Norte retirou-se do TNP em
2003 e prosseguiu com seus esforços
para dotar-se de armas atômicas. Ela
o fez sem que o TNP ou a AIEA pudessem detê-la.
Após Israel, Índia e Paquistão, o
exemplo norte-coreano prova que,
caso não se proceda ao desmantelamento dos arsenais nucleares e à renúncia, por todos os Estados, à utilização das armas atômicas, prosseguirá a corrida armamentista. Tudo leva
a crer que, mais do que espectador
impotente, o conjunto dos seres humanos poderá ser vítima da insensatez de poucos.
RICARDO ANTÔNIO SILVA SEITENFUS, 58, doutor em
relações internacionais pelo Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra
(Suíça), é professor titular da Universidade Federal de
Santa Maria e diretor da Faculdade de Direito de Santa
Maria. É autor, entre outras obras, de "Manual das Organizações Internacionais".
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