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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Alca depois de Miami

RUBENS A. BARBOSA

A reunião ministerial de Miami permitiu que os 34 países hemisféricos reexaminassem a estrutura geral das negociações da Alca e registrassem formalmente o princípio pelo qual cada país poderá assumir compromissos diferenciados, de acordo com o seu grau de ambição temática, respeitadas as respectivas sensibilidades nacionais.
O encontro de Miami criou, assim, as condições para permitir a conclusão das negociações até o final de 2004, com a assinatura do tratado em janeiro de 2005, o exame pelos Congressos para fins de ratificação durante o ano e sua entrada em vigor em 2006. Até Miami, as negociações da Alca estavam gradualmente se desequilibrando. Essa situação se agravou quando os EUA decidiram, em 2002, bilateralizar os entendimentos para a liberalização do acesso a seu mercado e retirar duas disciplinas da mesa de negociação, antidumping e subsídios (apoio doméstico), centrais para os interesses brasileiros.


As empresas nacionais, sobretudo as indústrias, devem começar a se equipar para aumentar sua presença na América do Sul


Na defesa do interesse nacional, para o Brasil não restou alternativa senão procurar restabelecer o equilíbrio do conjunto das áreas em discussão, repetindo, na prática, as propostas do governo norte-americano e transferindo para as negociações multilaterais áreas sensíveis para nós e que são parte importante da agenda agressiva dos EUA e do Canadá: serviços, propriedade intelectual, investimento, compras governamentais e concorrência. Do ponto de vista politico, a seção mais relevante da declaração ministerial é a da visão da Alca, na qual os países hemisféricos reafirmam seu compromisso com um processo negociador amplo e equilibrado.
A ministerial de Miami serviu igualmente para reafirmar a necessidade de levar em conta as diferenças nos níveis de desenvolvimento e tamanho das economias. Foram feitas recomendações sobre métodos e mecanismos de financiamento que deverão permitir o avanço das discussões para o estabelecimento de um fundo de compensação no âmbito da Alca.
O Comitê de Negociações Comerciais foi instruído a desenvolver um conjunto equilibrado e comum de direitos e obrigações aplicáveis a todos os países. As negociações sobre o conjunto comum de direitos e obrigações incluirão disposições nas áreas de acesso a mercado, agricultura, serviços, investimentos, compras do setor público, propriedade intelectual, concorrência, subsídios, antidumping e direitos compensatórios.
Os países que quiserem poderão decidir, em nível plurilateral (e não multilateral, com todos os 34 países), negociar disciplinas e liberalização adicionais. Os países que preferirem não acompanhar essas negociações poderão continuar a participar como observadores e, se for o caso, aderir aos seus resultados em um momento posterior.
No tocante às negociações de acesso a mercado, previstas para terminar em 30/9/04, não deve ser descartada a hipótese de que uma parcela expressiva de produtos do nosso interesse exportador (agrícolas, têxteis, aço) venha a ser incluída na lista de sensíveis norte-americana. Na prática, isso significaria sua exclusão do livre comércio hemisférico no período de transição, que poderá durar dez anos ou mais. Caso isso ocorra, terá evidente impacto negativo na análise custo/benefício sobre a conveniência da participação do Brasil na Alca.
Da perspectiva dos EUA, as negociações, em ano eleitoral, esbarram em realidades políticas que de alguma maneira terão impacto no resultado final. O Congresso e a atual administração, sensíveis aos lobbies protecionistas, estarão no próximo ano impossibilitados de fazer concessões em relação à agenda defensiva norte-americana. Ao mesmo tempo deverão manter o maximalismo de sua agenda ofensiva e explorar ao limite a opção por acordos de livre comércio bilaterais, aproveitando a fragilidade dos países latino-americanos que buscam transformar em permanentes esquemas temporários de comércio preferencial com os EUA.
Apesar do avanço registrado em Miami, tornando possível a conclusão das negociações nos prazos previstos, não são poucas as dificuldade políticas e técnicas a serem superadas tanto na definição das regras e disciplinas, quanto nos entendimentos na área de acesso a mercados. Caso alguns países insistam, será difícil aceitar, por exemplo, um equilíbrio cruzado de direitos e obrigações, no qual países que optem por não participar das negociações na OMC Plus de certas regras sejam penalizados na área de acesso a mercados, como foi aventado na reunião de Miami. As decisões de Miami serão testadas e deverão ser implementadas nos grupos técnicos de negociação que se reunirão em Puebla, no México, em fevereiro de 2005.
O setor privado no Brasil deve definir sua estratégia. As empresas nacionais, sobretudo as indústrias, que mandam para os EUA e a América do Sul, do total das exportações, cerca de 80% de produtos manufaturados, devem começar a se equipar para aumentar sua presença na América do Sul, a fim de fazer frente à competição de empresas norte-americanas, canadenses e mexicanas.
O tempo é exíguo e os desafios são enormes. Não há tempo a perder.

Rubens Antonio Barbosa, 65, diplomata, é embaixador do Brasil em Washington. Foi embaixador no Reino Unido.


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