São Paulo, terça-feira, 14 de dezembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um mau exemplo para o país

ANDRE PIRES DE ANDRADE KEHDI e RENATO STANZIOLA VIEIRA


O descumprimento pelo STJ da Constituição Federal só serve para mostrar que há leis que "não pegam" até mesmo para nosso Estado

No Estado de Direito, a Constituição não é só um pedaço de papel.
Não só pela superioridade hierárquica mas porque a aplicam, os tribunais devem dar o exemplo como prova de legitimidade e de "vontade de Constituição", como dita por Konrad Hesse.
Não se pode confundir problema estrutural com solução de conjuntura e criar anomalia para solucionar uma questão pontual.
Os anais da Constituinte indicam a tensão do debate sobre a composição do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Tivemos diversas propostas de número de ministros (15 a 54), de mandato (seis a 12 anos), de nomeação (quem nomeia: o presidente da República, do STF, do Senado), de aptidão (idade, formação jurídica) etc.
A revisão constitucional de 93 e a reforma do Judiciário de 2004 também trataram do tema. As determinações consagradas nos 22 anos da Constituição devem ser seguidas.
Para algum brasileiro ser ministro do STJ, deve ter entre 35 e 65 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. A composição do tribunal é paritária (um terço de juízes dos Tribunais Regionais Federais, um terço de desembargadores de Tribunais de Justiça dos Estados e um terço dividido entre advogados e membros do Ministério Público).
O procedimento cobra a participação das funções estatais: o Judiciário encaminha lista ao presidente da República, o Executivo indica e nomeia o ministro e o Legislativo aprova a indicação. Para vagas reservadas ao Ministério Público e à OAB, os órgãos de classe enviam outras listas, sêxtuplas, ao STJ.
Será que isso é vão e é possível burlar a ordem da Constituição por conta da conjuntura? O STJ, no que parece ser um mau exemplo para o país, diz que sim.
A partir de 2007, com base em uma emenda de 1993 que alterou seu regimento, o tribunal convoca desembargadores ou juízes de Tribunais Regionais Federais para integrá-lo nos casos de vacância ou de afastamento de ministro por mais de 30 dias.
Desde então, passaram por lá sete desses magistrados; hoje, temos 29 ministros e quatro convocados.
O descumprimento pelo STJ -por norma interna- da Constituição (em afronta à proporção entre vagas do Judiciário, da OAB e do Ministério Público e em usurpação de atribuições dos outros Poderes) é mau exemplo: há leis que "não pegam" para o Estado.
Mesmo que se conheçam os perfis dos convocados que lá atuaram e atuam e que até se destacam entre seus pares, pesa dizer: para construir o tribunal da cidadania, deve-se ver a estrutura, e não seus remendos conjunturais.
Discussões das razões da rejeição de listas dos órgãos de classe, sobre notável saber jurídico e reputação ilibada ou cogitação de seguir a emenda 35/2009 do regimento do STF (que superou o problema da convocação de ministro do STJ) são medidas sugeridas que focam na estrutura para corrigir o quadro. E estão na ordem do dia.

ANDRE PIRES DE ANDRADE KEHDI, advogado criminalista, é diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e coordenador-chefe do Boletim do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
RENATO STANZIOLA VIEIRA, advogado criminalista, é mestre em direito constitucional pela PUC-SP e mestrando em direito processual (USP).

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