São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 2008

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MARCOS NOBRE

Última instância

HÁ ALGO QUE se aproveite da barafunda institucional da prisão de Daniel Dantas?
O que não se aproveita é bastante claro. A prisão mesma se tornou secundária. Acontecimentos importantes foram para segundo plano, como o depoimento do deputado Paulo Pereira da Silva no Conselho de Ética da Câmara.
Também o script parece ser o de sempre: nunca aparece quem se considere responsável por coisa alguma.
Sempre aparece alguém para colher aplausos.
O diretor-geral da Polícia Federal teria dito: "É lamentável, mas não temos controle sobre esse processo". E completou: "A operação se autonomizou". Já o delegado encarregado da tal operação "autonomizada" afirmou que "a Polícia Federal cumpriu mais uma vez seu dever cívico nacional". E por aí vai.
Deve-se a Gilmar Mendes uma novidade, entretanto. Ao soltar Daniel Dantas pela segunda vez, o ministro afirmou em seu despacho que o juiz da 6ª Vara Criminal Federal teria "se insurgido" contra sua decisão anterior. Aí quem se insurgiu foi toda a primeira instância, em uma reação coletiva imediata e de grandes proporções.
A Constituição de 1988 estabeleceu uma ampla margem de atuação para a Justiça de primeira instância.
Desde então, o que se observa são seguidas tentativas de centralizar as decisões nos tribunais superiores.
Esse movimento de centralização esbarra agora em uma nova geração de juízas e de juízes que se formaram durante a redemocratização. Não viveram sua vida adulta sob a ditadura militar. E não vão aceitar sem briga as tentativas de restrição do papel da primeira instância.
Não há dúvida de que a estrutura é hoje problemática. Em um país do tamanho do Brasil, pode-se penalizar injustamente um indivíduo ou uma empresa com ações pulverizadas, sejam elas orquestradas ou não. De outro lado, não é possível esquecer, por exemplo, que a primeira instância foi decisiva para enfrentar o desvario do Plano Collor, concedendo seguidas liminares para saques em contas que se encontravam congeladas.
Mas a alternativa "ou centralização ou anarquia de primeira instância" é simplesmente falsa. Serve apenas para travar o debate. E se baseia em uma imagem de senso comum do funcionamento concreto do Judiciário. Um debate qualificado teria de começar por estudos científicos sérios sobre a lei vem sendo efetivamente aplicada pelos tribunais no Brasil.
Em um regime democrático, a última instância é sempre o Parlamento. Só é preciso saber se o Congresso vai continuar ignorando que as disputas internas ao Judiciário são seu problema.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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