São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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DOPING OLÍMPICO

As últimas edições dos Jogos Olímpicos foram marcadas pelo cabo-de-guerra entre autoridades do COI (Comitê Olímpico Internacional) encarregadas de prevenir e combater o doping e cientistas e atletas dispostos a desenvolver e utilizar novas drogas e técnicas capazes de melhorar o desempenho dos competidores. Assim como a primeira tranca engendrou o primeiro pé-de-cabra, essa é uma disputa fadada a não ter fim. Nem vitoriosos.
O caráter quase insolúvel do problema não dispensa um exame mais aproximado dos critérios internacionais para o doping. O COI considera doping o "uso de expediente que seja potencialmente danoso à saúde do atleta e/ou capaz de melhorar sua performance". É aqui que começam as dificuldades.
Evitar que um competidor obtenha vantagem indevida é plenamente justificável sob a ética esportiva. Até prova em contrário, um embate olímpico deve dar-se entre atletas, e não entre farmacêuticos. Mas será que cabe a organizações esportivas zelar pela saúde dos atletas, ou essa seria uma tutela indevida?
Maconha, álcool e heroína figuram entre as drogas controladas, mas o efeito desses produtos sobre o desempenho do competidor tende a ser negativo. Proibir esse gênero de substâncias parece, assim, muito mais uma questão moral do que propriamente esportiva. E, quando o campo da discussão passa a ser a moral, caberia perguntar se é ético tentar controlar a vida privada ou social dos atletas. Se admitimos que cabe ao COI cuidar da saúde dos competidores, amanhã a organização poderá tentar legislar sobre a quantidade de sal ou o teor de gordura da dieta dos esportistas.
Mesmo a questão da vantagem indevida não é trivial. Um bom método de melhorar o desempenho de atletas é aumentar o número de glóbulos vermelhos no sangue. Para isso, existem diversos métodos (transfusões de sangue e hemoderivados) e drogas (eritropoietina), todos devidamente proibidos. Só que efeito análogo pode ser obtido se o atleta se mudar, por exemplo, para uma cidade localizada em região de grande altitude, como são La Paz ou Lhasa. Obviamente, o COI não cogita de proibir a participação de bolivianos ou tibetanos nos jogos.
É claro que o doping é indefensável. Mas parece igualmente evidente que o COI, ao misturar questões morais -ainda que reforçadas pelo fato de que atletas são vistos como exemplo a imitar- com a regulação esportiva, não contribui como deveria para combater essa prática desleal.

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