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São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2003

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VINICIUS TORRES FREIRE

A nossa moral e a deles

SÃO PAULO - Em 2001, causou escândalo, muita vez farisaico, um artigo do emérito filósofo José Arthur Giannotti acerca da diferença entre a moral na esfera pública, a do embate político, e a moral na intimidade.
Giannotti, amigo de FHC e, digamos, adepto complexo de seu governo, parecia defender o fisiologismo e os rolos de privatizações tucanas, entre outras abjeções que afetam gente de estômagos fracos tanto em público como na intimidade.
O motivo de lembrar desse alfarrábio dos tempos tucanos é a curiosidade a respeito do que diria o filósofo acerca do governo do PT e a casualidade do programa político de alguns de seus membros mais notórios.
Para Giannotti, rigorismo moral e puritanismo político são imorais na democracia. Idéias políticas levadas a ferro e a fogo, como se foram mandamentos religiosos ou da moralidade íntima, tendem a produzir guilhotinas, gulags e paredões: ditaduras. É verdade. Mas se, em vez da verdade absoluta do fanático, se admite a mentira absoluta?
Ser democrático, diz Giannotti, é conviver com esse "risco de o político tentar vencer eleições usando os recursos à mão, até manipulando indecisões e falhas do regulamento". Não existe política sem tolerância para certas faltas. Se não existe inferno, se o proletariado não vai nos salvar da barbárie da história e, enfim, se Marx está morto, se Deus está morto e nós mesmos não nos sentimos muito bem, há um espaço "cinzento" para alguma espécie de vale-tudo.
Para filosofias antigas, Kant, por exemplo, acobertar intenções a fim de conseguir levá-las à prática -mentir- seria por si só injustiça.
Há pouca dúvida de que o governo Lula mentiu, pouco importa se a mentira seja melhor que o besteirol do programa eleitoral. Mentiu ainda mais absolutamente ao parecer a alternativa anticonservadora e, no poder, deixar vazio o campo progressista, de resto salgando e arrasando o terreno já minado do que deveria ser a esquerda com os venenos do seu ministério da propaganda, o único que funciona de fato além do ministério dos juros.



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