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BORIS FAUSTO
O ano dois
Na perspectiva histórica, qual a
importância que podemos atribuir à agressão terrorista de 11 de Setembro? A questão não tem uma resposta óbvia. Tomemos, por exemplo,
o que diz Jean Daniel, diretor de "Le
Nouvel Observateur", em artigo publicado em "El Pais" de 12/9. Comparando dois acontecimentos separados
no tempo por quase 12 anos -a queda do muro de Berlim, em novembro
de 1989 e o episódio do "World Trade
Center"-, diz o articulista que o primeiro marcou uma profunda ruptura
em nível de civilização, mas o segundo
não.
Sintetizando suas razões, enquanto
a queda do muro teria sido, por sua
imprevisibilidade, um fenômeno
inaugural, os atentados de Manhattan
representariam uma escalada, ainda
que surpreendente, a partir do que já
se sabia. E o que se sabia era a transformação dos Estados Unidos em hiperpotência, o fim da política de dissuasão, o fim da guerra clássica, a instalação do terrorismo e das represálias,
como se viu em agosto de 1998. Naquela data, os Estados Unidos bombardearam o Sudão e o Afeganistão
- países acusados de abrigar as redes
de Bin Laden -, em resposta aos
atentados antiamericanos perpetrados na Tanzânia e no Kênia.
Se a distinção de Jean Daniel é muito
sugestiva, deixa de lado um dado evidente: o impacto político, social e cultural de uma agressão praticada no
coração dos Estados Unidos, resultando em milhares de vítimas e que produziu uma onda cujos efeitos propagadores estão longe de terminar.
Essa tragédia veio paradoxalmente
em socorro do governo Bush, ilegítimo desde a eleição e às voltas com as
complicações do quadro econômico.
Bush soube explorar sentimentos que
calam fundo na população americana.
Entre eles, o tema da necessidade de
cerrar fileiras em torno do presidente
diante da guerra desencadeada pelo
terrorismo internacional, justificando
ações unilaterais externas para aniquilar o terrorismo.
É muito provável que, sem o 11 de
Setembro, Bush estaria hoje na contingência de terminar sua carreira presidencial no primeiro mandato e é pelo menos duvidoso imaginar que pudesse ter empreendido ações como a
do Afeganistão e particularmente a
aventura iraquiana.
Esta última, justificada por uma falsidade escandalosa -as armas de
destruição em massa do ditador Hussein- teve e terá desdobramentos difíceis de antever. Os mais nítidos são a
fissura entre os Estados Unidos e a
ONU, assim como a desunião da
União Européia, dividida entre os euroatlânticos de Blair e a Europa competitiva, protagonizada por Chirac e
Schröder, embora com diferenças entre si.
À margem das comparações entre a
queda do muro de Berlim e o 11 de Setembro como viradas históricas, um
contraste se evidencia. O primeiro
suscitou no mundo, a não ser entre os
saudosos do stalinismo, grandes esperanças. O segundo associa-se, na sequência, a um quadro pessimista de
difícil reversão. Hegemonia e aventuras guerreiras que se afundam no atoleiro, terrorismo como ameaça real e
imprevisível, sangueira e impasse no
Oriente Médio são os principais ingredientes desse quadro de desesperança.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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