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São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2003

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BORIS FAUSTO

O ano dois

Na perspectiva histórica, qual a importância que podemos atribuir à agressão terrorista de 11 de Setembro? A questão não tem uma resposta óbvia. Tomemos, por exemplo, o que diz Jean Daniel, diretor de "Le Nouvel Observateur", em artigo publicado em "El Pais" de 12/9. Comparando dois acontecimentos separados no tempo por quase 12 anos -a queda do muro de Berlim, em novembro de 1989 e o episódio do "World Trade Center"-, diz o articulista que o primeiro marcou uma profunda ruptura em nível de civilização, mas o segundo não.
Sintetizando suas razões, enquanto a queda do muro teria sido, por sua imprevisibilidade, um fenômeno inaugural, os atentados de Manhattan representariam uma escalada, ainda que surpreendente, a partir do que já se sabia. E o que se sabia era a transformação dos Estados Unidos em hiperpotência, o fim da política de dissuasão, o fim da guerra clássica, a instalação do terrorismo e das represálias, como se viu em agosto de 1998. Naquela data, os Estados Unidos bombardearam o Sudão e o Afeganistão - países acusados de abrigar as redes de Bin Laden -, em resposta aos atentados antiamericanos perpetrados na Tanzânia e no Kênia.
Se a distinção de Jean Daniel é muito sugestiva, deixa de lado um dado evidente: o impacto político, social e cultural de uma agressão praticada no coração dos Estados Unidos, resultando em milhares de vítimas e que produziu uma onda cujos efeitos propagadores estão longe de terminar.
Essa tragédia veio paradoxalmente em socorro do governo Bush, ilegítimo desde a eleição e às voltas com as complicações do quadro econômico. Bush soube explorar sentimentos que calam fundo na população americana. Entre eles, o tema da necessidade de cerrar fileiras em torno do presidente diante da guerra desencadeada pelo terrorismo internacional, justificando ações unilaterais externas para aniquilar o terrorismo.
É muito provável que, sem o 11 de Setembro, Bush estaria hoje na contingência de terminar sua carreira presidencial no primeiro mandato e é pelo menos duvidoso imaginar que pudesse ter empreendido ações como a do Afeganistão e particularmente a aventura iraquiana.
Esta última, justificada por uma falsidade escandalosa -as armas de destruição em massa do ditador Hussein- teve e terá desdobramentos difíceis de antever. Os mais nítidos são a fissura entre os Estados Unidos e a ONU, assim como a desunião da União Européia, dividida entre os euroatlânticos de Blair e a Europa competitiva, protagonizada por Chirac e Schröder, embora com diferenças entre si.
À margem das comparações entre a queda do muro de Berlim e o 11 de Setembro como viradas históricas, um contraste se evidencia. O primeiro suscitou no mundo, a não ser entre os saudosos do stalinismo, grandes esperanças. O segundo associa-se, na sequência, a um quadro pessimista de difícil reversão. Hegemonia e aventuras guerreiras que se afundam no atoleiro, terrorismo como ameaça real e imprevisível, sangueira e impasse no Oriente Médio são os principais ingredientes desse quadro de desesperança.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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