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JOSÉ SARNEY
A prudência e o lazer
EM TEMPOS de eleição, duas
coisas são impossíveis: lazer e
meditação. Quanto ao primeiro, nem pensar. Todos os momentos são tomados e, às vezes, os
organizadores de agenda fixam vários eventos na mesma hora: às 8h,
três cafés em lugares diferentes para discutir coisas diferentes. E aí
entram taxistas com enfermeiros,
pequenas empresas com agentes
de saúde. A tudo se tem que estar
atento. Isso sem perder a paciência
e sem atrasar. Mas políticos não
têm horários. Horário foi feito para
organizar a vida da gente e dos outros, mas a minha experiência é
que o atrasar faz parte de nossa cultura política. Eu fico angustiado.
Sou homem de cumprir horário,
mas quase sempre recebo a desculpa: "O pessoal não chegou. O senhor chegou na hora...".
Lazer ou ócio também não são
costumes do meu ofício. O historiador francês Alain Corbin escreveu um livro sobre a cultura do lazer, agora reeditado com grande
sucesso. Ele conta como essa conquista surgiu com a Revolução Industrial e se massificou na sociedade contemporânea. Antes, a noção
de lazer ficava restrita às classes
privilegiadas, aos costumes das
cortes, com suas festas, partidas de
caça, temporadas em fontes termais.
Depois, a civilização industrial
introduziu a noção de férias, um
descanso planejado do corpo e da
alma, coisa que em tempos de eleição não é para candidato nem ouvir
falar. Só no Natal festas e lazer entram em nossos planos, sem faltar
meditação.
Por falar em meditação, num
desses dias de tumulto eleitoral,
antes de dormir, peguei para ler o
clássico de Baltasar Gracián sobre
a prudência. Jesuíta, Gracián é
considerado um dos mais importantes pensadores espanhóis do século 16. Ele não fala da prudência
virtuosa.
Meu avó, um nordestino forte do
Ingá do Bacamarte, na Paraíba
-lugar que, segundo a lenda, só
perdia em matar gente para o Catolé do Rocha-, dizia, num de seus
provérbios, que "nunca vira cemitério de medroso nem valente de
cabelo branco". Nos sertões violentos dos fins do século 19, a lei da sobrevivência era essa.
Mas ser prudente é uma virtude;
e ser temerário, um grande defeito.
Em tempo de eleição, com a proximidade do dia D, 1º de outubro, os
ânimos tendem à exaltação. Os
nervos ficam à flor da pele. Nem as
pesquisas, que se multiplicam,
conseguem acalmar os ânimos. Pelo contrário, elas os exacerbam.
Eu, cá para nós, sigo a norma do
meu avô pela prudência virtuosa
em vez da prudência "transcendente" de Gracián. Filha da paciência e da benevolência, a primeira é
mais do que necessária a quem governa.
Vejam no que deu a imprudência
de Bush no Iraque.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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