São Paulo, quarta-feira, 15 de setembro de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

Bravíssimo!

É preciso aplaudir a saudável e honesta dúvida manifestada na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central realizada nos dias 31/8 e 1º/9, em que se manteve a Selic em 10,75%.
Nunca uma decisão do Copom havia sofrido tanta crítica de analistas contrariados com a "desobediência" do Banco Central às suas "científicas" sugestões.
Ao contrário, pelo menos na nossa opinião, a decisão revelou humildade e cuidado diante da realidade (não de sua idealização) até aqui insuspeitados no comportamento do Banco Central. A grande novidade da ata é reconhecer, publicamente, que a política monetária não é uma ciência.
Bem lida e sem espírito religiosamente pré-concebido, essa política mostra as suas graves dificuldades.
1º) Todos sabemos que as defasagens entre a implementação das variações da taxa Selic (que o Banco Central fixa e sustenta) e seus efeitos sobre o nível de atividade e sobre a taxa de inflação são amplamente variáveis. Pela primeira vez, entretanto, somos surpreendidos com a afirmação de que, "pelo aumento da potência (?) da política monetária", ela pode ser menor do que cinco meses! Isso, talvez, seja uma justificativa "ad hoc" para o que pode ter sido um equívoco recente do Banco Central quando tomou a nuvem por Juno no aumento da taxa de inflação.
2º) Reconhece que aperfeiçoamentos da política monetária "parecem ter determinado redução significativa da taxa neutra" (a taxa de juros real que permite o uso da plena capacidade produtiva sem aumentar a taxa de inflação).
Acrescenta, aliás, um delicioso parágrafo: "Apesar de reconhecer que um elevado grau de incerteza envolve o dimensionamento de VARIÁVEIS NÃO OBSERVÁVEIS (ênfase nossa), o Copom considera que as estimativas mais pessimistas sobre o nível da atual taxa de juro real neutra tendem, com probabilidade significativa, a não encontrar amparo nos fundamentos".
3º) Reconhece que "há sinais de que a economia tem se deslocado para uma trajetória mais condizente com o equilíbrio de longo prazo (o "bancocentralês" para dizer que o produto potencial cresceu) e, assim, os efeitos das pressões de demanda e do elevado nível de utilização dos fatores sobre o balanço de riscos para inflação tendem a arrefecer".
A clara admissão pública dessas dificuldades revela um enorme salto de qualidade na política monetária do Banco Central, à qual faltavam amadurecimento e humildade.
Ela é, na realidade, 90% de arte e 10% de ciência. Cremos que o dr. Meirelles e sua nova equipe mereçam um "bravíssimo" por introjetarem nas suas decisões a dúvida salvadora.


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

contatodelfimnetto@terra.com.br


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