São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 2002

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EXCESSO E FALTA

Lideranças do futuro governo já se vêem às voltas com as agruras de lidar com as limitações orçamentárias e com a polêmica em torno do impacto da alta da inflação sobre tais limitações. Nos últimos dias, essas lideranças fizeram duas declarações questionáveis sobre esses temas. Ambas envolvem o reajuste do salário mínimo e, curiosamente, enquanto uma delas parece pecar por excesso de rigidez, a outra carrega um excesso de maleabilidade.
O presidente nacional do PT afirmou ser uma temeridade financiar o aumento do salário mínimo por meio de "recursos inflacionários". Ele não se referia à emissão de moeda -sem dúvida um meio insustentável de financiar gastos-, mas ao aumento de receitas previstas no Orçamento provindo da reestimativa da inflação projetada para 2003. Desde que embasada em projeções sérias, porém, essa não constitui uma fonte "espúria" de recursos.
Na proposta orçamentária do Executivo, a receita tributária projetada embute a expectativa de que em 2003 a inflação (medida pelo IGP-DI) será de 6%. Em fins de agosto, quando a proposta foi elaborada, essa taxa era próxima à projeção média do mercado. Hoje o mercado espera inflação em torno de 11% em 2003. É uma diferença relevante, que sugere que a receita poderá ser bem maior do que prevê a proposta do Executivo.
Já o exemplo de excessiva maleabilidade diz respeito à idéia de que o reajuste do salário mínimo seja feito, em 2003, em duas etapas, para minimizar seu impacto sobre o caixa da Previdência. A proposta criaria um precedente bastante incômodo.
A cultura da indexação de preços, que a muito custo regrediu nos últimos anos, tem como um de seus componentes a prática de reajustes frequentes. A sinalização política criada pelo aumento da frequência dos reajustes do mínimo abriria espaço para que outros segmentos demandassem tratamento análogo.
As concessionárias de serviços públicos, por exemplo, que em geral praticam reajustes anuais de tarifas, poderiam reivindicar reajustes mais frequentes. Neste caso, o que parece recomendável é maior cautela, pois a retomada de práticas de indexação tornaria muito mais difícil e custosa a superação do surto inflacionário suscitado pela alta do dólar.


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