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São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem ser revistas as penas impostas aos menores que cometem crimes?

NÃO

Pelo cumprimento do estatuto

RUBENS NAVES

Os crimes cometidos por quatro adultos e um adolescente contra o casal de estudantes do Colégio São Luís chocaram a todos. A dor dos pais é mais que justa e de igual forma o anseio pela responsabilização. Da comoção provocada emerge, novamente, a discussão sobre a redução da maioridade penal.
O primeiro equívoco por trás desse debate é supor que o Estatuto da Criança e do Adolescente não pune aqueles que infringem a lei. Isso não é verdade. O ECA prevê seis tipos de medidas socioeducativas para os adolescentes infratores, que vão da advertência à internação, com privação de liberdade por um período máximo de três anos.
Isso é pouco? Para alguém de 15 anos que fique preso até os 18, significou um sexto de sua vida. Não se pode dar a isso o nome de impunidade. E o ECA, além de trazer uma concepção de reeducação em vez da repressão, possui instrumento de ação rápida, que permite que um adolescente possa ser sentenciado a uma medida de prestação de serviços à comunidade no dia seguinte ao ato. Tampouco aqui temos impunidade.
O adolescente é uma pessoa em formação. Esse é o conceito adotado pela ONU e pela sociedade brasileira. Analisando a legislação sobre idade penal de 57 países, a pesquisa "Crime Trends", realizada pela ONU, constatou que apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como definição legal de adulto. E, excetuando os EUA e a Inglaterra, todos os demais são países de médio ou baixo índice de desenvolvimento humano.
O movimento nos países desenvolvidos é justamente o contrário: a Alemanha fez retornar a idade penal para 18 anos e criou, inclusive, uma sistemática diferenciada para o tratamento de infratores entre 18 e 21 anos. O Japão, ao se surpreender com um súbito aumento da criminalidade entre seus jovens, ampliou a maioridade penal para 20 anos, por entender que é com educação que se previne a violência. Itália, Bélgica, França, Áustria, Suécia, Dinamarca e Chile, dentre outros, seguem igualmente as recomendações dos especialistas mundiais e as principais convenções internacionais. Diminuir a idade penal implica estar na contracorrente da maioria dos países desenvolvidos. Mais, significa lançar adolescentes em prisões abarrotadas, dominadas por dentro pelo crime organizado.
A verdade é que o ECA jamais foi de fato implementado, e onde isso aconteceu os índices de reincidência caíram, como prova a experiência da cidade de São Carlos (SP). Nos três anos de existência do Núcleo de Atendimento Integrado, uma parceria de governo estadual, prefeitura, Ministério Público, sociedade civil e Juizado da Infância e Juventude, houve queda de 70% nas ocorrências de roubo. Os homicídios praticados por adolescentes caíram de 15 para dois neste ano. Dos 1.200 atendidos pelo núcleo, apenas dois se encontram em regime de privação de liberdade, contra uma média de 40 nas cidades do mesmo porte. E o índice de reincidência nos crimes é de 3,5%. A média estadual, para o regime de internação da Febem, é de 33%.
O que há de diferente ali? Trabalha-se principalmente com prevenção e reeducação. O adolescente que cometeu um delito menos grave, como furto, é atendido para que não venha a praticar um ato mais violento depois. É mais inteligente, mais humano e mais econômico.
Outro equívoco é o de que nossa juventude está cada vez mais violenta. Dos crimes violentos cometidos no país, apenas 1,09% foram praticados por adolescentes. Não é verdade que nossa juventude seja mais violenta que a de outros lugares, a despeito de ser a principal vítima dela. Com efeito, entre 1979 e 1996 o número de mortes violentas entre os brasileiros de 15 a 24 anos mais que dobrou: de 6.943 para 15.228, segundo o mapa da violência elaborado pela Unesco e pelo Instituto Ayrton Senna. De 60 países analisados, o Brasil só fica atrás de Porto Rico e da Colômbia em número de jovens assassinados.
Sobre a associação entre drogas e juventude, a Organização Internacional do Trabalho concluiu que 15% dos jovens que trabalham no tráfico têm entre 13 e 14 anos. O que faz supor que não haveria dificuldade em aliciar crianças cada vez menores, a cada "redução" proposta na maioridade penal.
As organizações da sociedade civil trabalham pela efetiva implementação do ECA, uma legislação que existe há 13 anos, para que possamos sair do pensamento repressivo e vingativo para uma perspectiva educacional de responsabilização. Reduzir a idade penal é a falsa solução de um problema real. Nossos jovens precisam de segurança para eles, não contra eles. Se o lar não oferece essa segurança ao jovem, dizia o pediatra inglês Winnicott, este busca fora de casa as quatro paredes de que necessita. E essas quatro paredes não são as de uma prisão, mas as da escola, da família, do clube, da associação de bairro, do cinema, da igreja e da comunidade.
É importante envidarmos esforços para a construção do futuro da juventude brasileira, com propostas que transformem essa sociedade geradora de tantos infratores.


Rubens Naves, 61, advogado, professor licenciado de teoria geral do Estado da PUC-SP, membro do do Conselho da Transparência Brasil, é diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.


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