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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem ser revistas as penas impostas aos menores que cometem crimes?
NÃO
Pelo cumprimento do estatuto
RUBENS NAVES
Os crimes cometidos por quatro
adultos e um adolescente contra o
casal de estudantes do Colégio São Luís
chocaram a todos. A dor dos pais é mais
que justa e de igual forma o anseio pela
responsabilização. Da comoção provocada emerge, novamente, a discussão
sobre a redução da maioridade penal.
O primeiro equívoco por trás desse
debate é supor que o Estatuto da Criança e do Adolescente não pune aqueles
que infringem a lei. Isso não é verdade.
O ECA prevê seis tipos de medidas socioeducativas para os adolescentes infratores, que vão da advertência à internação, com privação de liberdade por
um período máximo de três anos.
Isso é pouco? Para alguém de 15 anos
que fique preso até os 18, significou um
sexto de sua vida. Não se pode dar a isso
o nome de impunidade. E o ECA, além
de trazer uma concepção de reeducação
em vez da repressão, possui instrumento de ação rápida, que permite que um
adolescente possa ser sentenciado a
uma medida de prestação de serviços à
comunidade no dia seguinte ao ato.
Tampouco aqui temos impunidade.
O adolescente é uma pessoa em formação. Esse é o conceito adotado pela
ONU e pela sociedade brasileira. Analisando a legislação sobre idade penal de
57 países, a pesquisa "Crime Trends",
realizada pela ONU, constatou que apenas 17% adotam idade menor do que 18
anos como definição legal de adulto. E,
excetuando os EUA e a Inglaterra, todos
os demais são países de médio ou baixo
índice de desenvolvimento humano.
O movimento nos países desenvolvidos é justamente o contrário: a Alemanha fez retornar a idade penal para 18
anos e criou, inclusive, uma sistemática
diferenciada para o tratamento de infratores entre 18 e 21 anos. O Japão, ao se
surpreender com um súbito aumento
da criminalidade entre seus jovens, ampliou a maioridade penal para 20 anos,
por entender que é com educação que
se previne a violência. Itália, Bélgica,
França, Áustria, Suécia, Dinamarca e
Chile, dentre outros, seguem igualmente as recomendações dos especialistas
mundiais e as principais convenções internacionais. Diminuir a idade penal
implica estar na contracorrente da
maioria dos países desenvolvidos. Mais,
significa lançar adolescentes em prisões
abarrotadas, dominadas por dentro pelo crime organizado.
A verdade é que o ECA jamais foi de
fato implementado, e onde isso aconteceu os índices de reincidência caíram,
como prova a experiência da cidade de
São Carlos (SP). Nos três anos de existência do Núcleo de Atendimento Integrado, uma parceria de governo estadual, prefeitura, Ministério Público, sociedade civil e Juizado da Infância e Juventude, houve queda de 70% nas ocorrências de roubo. Os homicídios praticados por adolescentes caíram de 15 para dois neste ano. Dos 1.200 atendidos
pelo núcleo, apenas dois se encontram
em regime de privação de liberdade,
contra uma média de 40 nas cidades do
mesmo porte. E o índice de reincidência
nos crimes é de 3,5%. A média estadual,
para o regime de internação da Febem,
é de 33%.
O que há de diferente ali? Trabalha-se
principalmente com prevenção e reeducação. O adolescente que cometeu um
delito menos grave, como furto, é atendido para que não venha a praticar um
ato mais violento depois. É mais inteligente, mais humano e mais econômico.
Outro equívoco é o de que nossa juventude está cada vez mais violenta.
Dos crimes violentos cometidos no
país, apenas 1,09% foram praticados
por adolescentes. Não é verdade que
nossa juventude seja mais violenta que a
de outros lugares, a despeito de ser a
principal vítima dela. Com efeito, entre
1979 e 1996 o número de mortes violentas entre os brasileiros de 15 a 24 anos
mais que dobrou: de 6.943 para 15.228,
segundo o mapa da violência elaborado
pela Unesco e pelo Instituto Ayrton
Senna. De 60 países analisados, o Brasil
só fica atrás de Porto Rico e da Colômbia em número de jovens assassinados.
Sobre a associação entre drogas e juventude, a Organização Internacional
do Trabalho concluiu que 15% dos jovens que trabalham no tráfico têm entre
13 e 14 anos. O que faz supor que não haveria dificuldade em aliciar crianças cada vez menores, a cada "redução" proposta na maioridade penal.
As organizações da sociedade civil trabalham pela efetiva implementação do
ECA, uma legislação que existe há 13
anos, para que possamos sair do pensamento repressivo e vingativo para uma
perspectiva educacional de responsabilização. Reduzir a idade penal é a falsa
solução de um problema real. Nossos
jovens precisam de segurança para eles,
não contra eles. Se o lar não oferece essa
segurança ao jovem, dizia o pediatra inglês Winnicott, este busca fora de casa
as quatro paredes de que necessita. E essas quatro paredes não são as de uma
prisão, mas as da escola, da família, do
clube, da associação de bairro, do cinema, da igreja e da comunidade.
É importante envidarmos esforços
para a construção do futuro da juventude brasileira, com propostas que transformem essa sociedade geradora de
tantos infratores.
Rubens Naves, 61, advogado, professor licenciado de teoria geral do Estado da PUC-SP, membro do do Conselho da Transparência Brasil, é diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.
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