São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Bienal do Livro?

EM ENTREVISTA À Folha, publicada na Ilustrada de quinta-feira, o escultor norte-americano Richard Serra declara que a fruição de suas obras não está condicionada a uma compreensão prévia da história da arte ou, especificamente, da escultura. Para ele, o tema de seus trabalhos é o que sentem as pessoas ao defrontarem com eles. "O que me interessa são as sensações que ocorrem ali dentro", diz.
A declaração talvez soe, para alguns, como uma espécie de apologia da espontaneidade, da experiência sensorial leiga, desprovida do necessário exercício da razão que a preencheria de sentido, inscrevendo-a num discurso lógico sobre história e estética.
É claro que Serra não está simplesmente diminuindo o papel que o conhecimento pode desempenhar na apreensão de uma obra, mas suas palavras nos lembram que a relação com a arte não nos cobra obrigatoriamente uma tradução verbal cartesiana, tampouco a mediação de um discurso especializado que nos ensine como entender aquilo.
O que temos visto no circuito da arte contemporânea é, na realidade, um excessivo blablablá, uma apropriação discursiva quase insaciável de obras e artistas, não raro em textos obscuros, maneiristas, pretensiosos, mais a dificultar do que a facilitar o acesso do público interessado.
É como se, numa exposição, estivéssemos sempre diante de algo que nos quer dizer alguma coisa, mas é incapaz de fazê-lo, precisando, para se explicar, da interferência de um crítico-curador. E quando ele entra em cena, sai de baixo: lá vem aquela espessura "teórica" a reforçar a opacidade e o caráter difícil do que presenciamos.
Essa trama discursiva que se articula em torno da arte contemporânea encontra na atual edição da Bienal de São Paulo um território fértil para proliferar. Ao subtrair a arte e expor o vazio, a mostra preenche sua vacuidade com palavrório. A instituição e a curadoria saem da sombra e ocupam a cena principal. Impõem-se sobre a produção artística. Seminários e mais seminários discutem a história da Bienal, colhem depoimentos, convidam à "reflexão".
A própria mostra mais lembra uma Bienal do Livro do que uma exposição de arte. A presença de textos, publicações e "conceitos" é abundante. É claro que há questões a discutir, desde a função das bienais neste mundo saturado de "arte", feiras e exposições até a crise específica da instituição paulista. Mas, como disse certa vez Alfredo Volpi quando solicitaram sua opinião durante um desses acirrados debates sobre os destinos da arte, talvez o melhor fosse todo mundo voltar para casa e pintar um pouco.

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES é editor da Ilustrada. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Gustavo Franco.



Texto Anterior: Rio de Janeiro - Sergio Costa: A Bolsa ou as economias
Próximo Texto: Frases

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.