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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Bienal do Livro?
EM ENTREVISTA À Folha, publicada na Ilustrada de quinta-feira, o escultor norte-americano Richard Serra declara
que a fruição de suas obras não está condicionada a uma compreensão prévia da história da arte ou,
especificamente, da escultura. Para ele, o tema de seus trabalhos é o
que sentem as pessoas ao defrontarem com eles. "O que me interessa são as sensações que ocorrem ali
dentro", diz.
A declaração talvez soe, para alguns, como uma espécie de apologia da espontaneidade, da experiência sensorial leiga, desprovida
do necessário exercício da razão
que a preencheria de sentido, inscrevendo-a num discurso lógico
sobre história e estética.
É claro que Serra não está simplesmente diminuindo o papel que
o conhecimento pode desempenhar na apreensão de uma obra,
mas suas palavras nos lembram
que a relação com a arte não nos
cobra obrigatoriamente uma tradução verbal cartesiana, tampouco
a mediação de um discurso especializado que nos ensine como entender aquilo.
O que temos visto no circuito da
arte contemporânea é, na realidade, um excessivo blablablá, uma
apropriação discursiva quase insaciável de obras e artistas, não raro
em textos obscuros, maneiristas,
pretensiosos, mais a dificultar do
que a facilitar o acesso do público
interessado.
É como se, numa exposição, estivéssemos sempre diante de algo
que nos quer dizer alguma coisa,
mas é incapaz de fazê-lo, precisando, para se explicar, da interferência de um crítico-curador. E quando ele entra em cena, sai de baixo:
lá vem aquela espessura "teórica" a
reforçar a opacidade e o caráter difícil do que presenciamos.
Essa trama discursiva que se articula em torno da arte contemporânea encontra na atual edição da
Bienal de São Paulo um território
fértil para proliferar. Ao subtrair a
arte e expor o vazio, a mostra
preenche sua vacuidade com palavrório. A instituição e a curadoria
saem da sombra e ocupam a cena
principal. Impõem-se sobre a produção artística. Seminários e mais
seminários discutem a história da
Bienal, colhem depoimentos, convidam à "reflexão".
A própria mostra mais lembra
uma Bienal do Livro do que uma
exposição de arte. A presença de
textos, publicações e "conceitos" é
abundante. É claro que há questões a discutir, desde a função das
bienais neste mundo saturado de
"arte", feiras e exposições até a crise específica da instituição paulista. Mas, como disse certa vez Alfredo Volpi quando solicitaram sua
opinião durante um desses acirrados debates sobre os destinos da
arte, talvez o melhor fosse todo
mundo voltar para casa e pintar
um pouco.
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES é editor da
Ilustrada. Hoje, excepcionalmente, não é
publicado o artigo de Gustavo Franco.
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