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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A questão regional é nacional

CIRO GOMES

A ocupação demográfica e econômica do território brasileiro comandada pelo modelo primário exportador organizou várias ilhas regionais, cristalizando um grande potencial do país -sua diversidade regional. Essa configuração regional sofreu ruptura importante no século 20, quando se implantou intenso processo de industrialização concentrado no Sudeste.
Nas décadas seguintes, políticas públicas atuaram como correia de transmissão do movimento de industrialização, deslocando-o do centro dinâmico em direção a novas áreas. Um processo de desconcentração produtiva, embora modesto, interrompeu, sob o comando do Estado brasileiro, a longa fase concentradora. Políticas de governo aliaram-se a investimentos privados na promoção da integração do mercado nacional. A dinâmica das ilhas regionais solidarizou-se sob o comando paulista: a concentração domou a diversidade.
A crise da dívida externa interrompeu esse processo. O setor público, endividado, foi duramente afetado por uma crise fiscal que se arrasta até hoje. Nesse novo contexto, há novas tendências na geografia econômica regional. A concentração prossegue, mas num espaço maior. Entre 1970 e 2000, a participação na produção industrial brasileira de cinco Estados (MG, SP, PR, SC e RS) passou de 33% para quase 50%. Constata-se que a forte concentração do começo do século 20 gerou inércia difícil de ser superada. O poder econômico das regiões ricas associou-se ao poder político, dificultando o combate às desigualdades regionais.


O poder econômico das regiões ricas associou-se ao poder político, dificultando o combate às desigualdades regionais


Nos anos recentes, alguns fatos se destacam. O primeiro é a emergência do Centro-Oeste como uma das regiões mais dinâmicas do país, com uma base produtiva moderna puxada pelo agronegócio e cujo padrão, hoje, está mais próximo do Sudeste e do Sul.
Outro fato: a ação frágil do governo federal. Aliada ao impacto de intensas mudanças na forma de funcionamento da economia nacional, o poder do mercado impulsionou uma dinâmica sub-regional diferenciada em todas as macrorregiões brasileiras. Ela foi influenciada também pela lógica regional da proposta de integração competitiva do governo anterior. A pouca sobra da crise fiscal destinou-se à integração das sub-regiões mais competitivas ao mundo globalizado.
Ampliou-se a heterogeneidade regional. É muito nítida a existência de subespaços dinâmicos em todas as macrorregiões (inclusive no Nordeste e no Norte) e de sub-regiões pouco dinâmicas, em reestruturação intensa ou em estagnação, inclusive nas macrorregiões mais ricas.
Enquanto a dinâmica regional se redefinia, o governo federal negava-se a praticar políticas regionais explícitas e esvaziava o Ministério da Integração Nacional, transformado em balcão de varejo, terminando por fechar a Sudene e a Sudam, depois de fechar os olhos à grossa corrupção. Entre os Estados da Federação, surgiu e continua uma guerra fiscal por investimentos privados, atiçando a competição inter-regional, ao mesmo tempo em que experiências de desenvolvimento sub-regional tentam se firmar no país, tendo como protagonistas atores regionais.
Os impactos dessas mudanças obrigam a uma releitura da questão regional. Sinalizam, de saída, para a insuficiência do seu tratamento numa única escala: a macrorregional. A nova política nacional de desenvolvimento regional, elaborada pelo Ministério da Integração por determinação do presidente Lula, e ora exposta ao debate, será instrumento fundamental para se contrapor às tendências fragmentadoras da dinâmica territorial herdada da fase recente. Ela se contrapõe às proposições, muito usuais no debate brasileiro recente, que, com o viés liberal, propunham a competição atomizada entre projetos locais. Opõe-se, ainda, à quebra da solidariedade federativa e aos exacerbados localismos que terminariam atuando em prejuízo da integração nacional.
Em face da realidade presente, a nova política nacional de desenvolvimento regional atuará em múltiplas escalas. A escala sub-regional é a mais apropriada para organizar ações que alcancem todas as macrorregiões. Com ela, trataremos a magnífica diversidade ambiental, socioeconômica e cultural do país. No entanto a escala nacional é indispensável para uma adequada regulação dessas ações e para assegurar o nexo que garante o alcance do objetivo central: reduzir as inaceitáveis desigualdades regionais do Brasil contemporâneo.
A política proposta prevê um tratamento especial às macrorregiões Norte e Nordeste e, dentro dele, ao grande espaço semi-árido. Prevê ainda um tratamento particular à fronteira oeste do país, tendo em vista a ênfase que o governo do presidente Lula confere à integração sul-americana.
O instrumento principal dessa nova política deverá ser um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que, quando criado, incluirá o Brasil no rol dos países modernos que não aceitam conviver com as gritantes desigualdades entre suas regiões. A emigração de massa destruidora das famílias não pode ser mais a resposta selvagem à falta de uma política nacional de desenvolvimento regional.

Ciro Gomes, 46, advogado, é o ministro da Integração Nacional. Foi prefeito de Fortaleza (1998-90), governador do Ceará (1991-94) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).


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