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CARLOS HEITOR CONY
O palavrão do general
RIO DE JANEIRO - Um general
de Napoleão, Pierre Cambronne,
no final da tarde de Waterloo, vendo o desastre das tropas francesas,
desceu do seu cavalo e disse uma
palavra que era então considerada
palavrão: "Merde". Definiu perfeitamente a situação, e não havia no
vocabulário um termo que expressasse a sua raiva pela derrota.
Durante algum tempo, quando as
cultas gentes queriam se referir à
mesmíssima coisa, evitavam a palavra considerada chula e se referiam
ao general francês. Dava no mesmo,
os entendidos entendiam.
O tempo passou e, pouco a pouco,
a palavra foi sendo admitida na literatura, no teatro e no cinema. E, sobretudo, no linguajar do homem
comum, que, pelo menos uma vez
ao dia, pronuncia a palavra para expressar a mesma revolta diante de
um fato cotidiano.
Vai daí, muita gente reclamou de
o presidente Lula ter usado a palavra para se referir aos seus propósitos de dar ao povo aquilo que os técnicos chamam de "saneamento básico". Todos sabemos que Lula é um
presidente meio fora do esquadro.
Suas origens são populares, e ele sabe tirar proveito disso, mantendo
com o eleitorado um elo indestrutível, que passa pela língua presa, a
cara afogueada e o vocabulário que,
tal como o saneamento, é também
básico.
Em outros tempos, haveria até
pedido de impeachment para o presidente. Nos tempos de JK, uma revista publicou uma foto do presidente no banheiro, se barbeando.
Aparecia, ao fundo, o vaso sanitário.
A oposição, liderada pela UDN, articulou um pedido de impeachment.
Os tempos mudaram.
Pessoalmente, nada tenho contra
usar a palavra que todos usam sem
escândalo, reconhecendo que, em
certas ocasiões, expressa a mesma
irritação do general francês diante
da confusão e do descalabro de uma
situação difícil e vergonhosa.
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