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JOSÉ SARNEY
Uvas azedas
ou amargas
A reunião da Cúpula das Américas deixou um saldo insosso.
Tanto falaram em fugir da retórica latina que os americanos aderiram a ela.
Esse formato nasceu há 15 anos, quando foi fundado, em Acapulco, o Grupo
dos Oito, por meio do qual os principais países da América do Sul e o México se dispuseram a construir uma
cúpula para acertar uma política presidencial conjunta diante de problemas como a Nicarágua vir a ser uma
nova Cuba.
Nesse quadro, surge a idéia da Alca.
Não há como esconder que é ela que
está na base de tudo e, para ela ser vendida, criou-se esse pirotécnico cenário. O bonde está andando.
Sei bem das conseqüências e implicações que envolvem o projeto. Para
os americanos, é uma antecipação do
futuro e a ocupação do mercado dos
outros. Vem dos ingleses essa política
colonial de abertura de mercados para
dominá-los, herdada pelos americanos quando o império britânico soçobrou. É a tal política da gaiola. O passarinho fica solto, pode cantar e pular,
mas a gaiola tem dono.
Em Monterrey, o presidente Bush
declarou: "Espero que aqueles que expressaram alguma oposição à Alca
olhem os fatos. E os fatos são que o
Nafta [a Alca do México, do Canadá e
dos EUA] melhorou a vida das pessoas e acabou [!] com a pobreza em
partes de nossa vizinhança [México]".
Quero contestar Bush com palavras
insuspeitas do "New York Times",
que assim se referiu aos dez anos do
acordo: "O Nafta reforçou o México
para promover o crescimento das empresas americanas, porém não fez do
próprio país uma economia produtiva
e independente".
Estrada Gallegos, diretor do Centro
de Estudos Regionais Mexicanos,
num trabalho sobre o Nafta, diz-nos
que ele é justamente um "contra-exemplo paradigmático". Ele afirma
que o "caso mexicano é um espelho
quebrado". Lembra que o México, sob
o Nafta, tem renda per capita abaixo
da de países como a Costa Rica e o
Chile. Cresceu a maquilagem industrial, toda ela com mão-de-obra barata, paraíso para multinacionais. Mesmo assim, a concorrência chinesa
ameaça.
A vantagem do México, depois do
Nafta, em relação à América Latina foi
um crescimento de 1%, inferior ao que
teve entre 1948 e 1973, de 3,2%. Em
contraste, mesmo com a crise asiática
e sem Nafta, a Coréia cresceu 4,3%, e a
China, 7%. A vantagem foi dos norte-americanos: nos dez anos de Nafta, o
seu poder de compra cresceu 10%,
contra miseráveis 0,2% dos mexicanos. Belo exemplo para a Alca! Esses
números são do trabalho de Gallegos.
As barreiras alfandegárias americanas destroçaram a agricultura mexicana e barraram com taxações o sorgo, o
tomate, o feijão e outras commodities.
Houve -segundo Joseph Stiglitz,
no "New York Times"- um desequilíbrio descomunal da frágil economia
mexicana em concorrência com a
americana.
Não sei onde o presidente Bush foi
buscar o exemplo do Nafta para dizer
que ele acabou com a pobreza mexicana. Os jornais mexicanos dizem o
contrário: os tratados de livre comércio são "uvas amargas". Eu prefiro
chamá-las de azedas. E uva azeda não
é fruta para o Brasil correr atrás.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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