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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Fim do mundo
SÃO PAULO - Conforme os dias
avançam, as imagens e os relatos
que nos chegam do Haiti tornam
mais claros a extensão e os efeitos
da devastação. Diante dessa tragédia, as palavras parecem obsoletas.
Empilhada nas ruas ou entre escombros, uma multidão de corpos
em putrefação se mistura ao desespero dos sobreviventes. Milhares
de cadáveres estão sendo enterrados em valas comuns -e nunca se
conhecerá o número de vítimas.
Pessoas disputam alimentos a
céu aberto; muita gente vaga a esmo, sem saber o que fazer nem para
onde ir; há registro de saques, roubos, pessoas com medo de sair às
ruas e também de dormir em casa.
Há ainda o temor de que a ajuda
humanitária seja insuficiente para
aliviar os efeitos da calamidade e a
tensão se desdobre em mais barbárie, no rastro de infinitas carências
-de água, comida, casa, luz, telefone, hospitais... de civilização.
Quase 60% da população do Haiti
vive com menos de US$ 1 por dia
-em situação de pobreza extrema.
O analfabetismo alcança cerca de
metade dos adultos. Qualquer indicador social ou econômico põe o
Haiti no final da fila do bem-estar.
Em entrevista ao jornal "Valor
Econômico", o professor Antonio
Jorge Ramalho da Rocha, do Instituto de Relações Internacionais da
UnB, que morou em Porto Príncipe, diz que o Haiti teve sucessivos
governos, mas nunca construiu instituições de Estado -e este seria o
grande desafio a longo prazo.
No contexto da Guerra Fria,
quando Cuba era a ameaça, a ditadura sanguinária de Papa Doc,
inaugurada em 1957, teve o respaldo dos EUA. Depois da queda de
Baby Doc, nos anos 80, o Haiti já foi
alvo de várias intervenções internacionais frustradas. Entre surtos autoritários e um histórico de conflitos, o país vive sob o signo da instabilidade, à beira da anomia social.
A fúria da natureza se junta a um
desastre histórico que parece irremissível. O episódio comove de modo particular o Brasil, que tinha em
Zilda Arns uma figura ímpar e tem
razões para se orgulhar da missão
de paz que comanda desde 2004.
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