|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O clima da Terra e a redução das incertezas
LUIZ PINGUELLI ROSA
O relatório do IPCC causou grande impacto, mas muito do que dele consta já tinha sido discutido publicamente. Qual foi, então, a novidade?
A DIVULGAÇÃO em Paris do
quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudança do Clima) causou grande
impacto na mídia em todo o mundo.
Contudo, muito do que dele consta já
tinha sido discutido publicamente.
Qual foi, então, a novidade?
Primeiro, a redução da incerteza. A
ciência convive com o erro. Uma boa
teoria sobre a natureza permite especificar os erros nas previsões.
Quase sempre, a certeza é sobre o
óbvio, como dizer que amanhã poderá chover ou não. O relevante é quando a meteorologia prevê, por exemplo, que há 90% de probabilidade de
chover amanhã. Para chegar a essa
conclusão, usam-se modelos matemáticos, com equações da física e informações sobre a atmosfera.
Nas previsões meteorológicas de
mais longo prazo, o erro vai aumentando até ficar imenso. Cai-se no terreno da imprevisibilidade dos sistemas caóticos. Por isso a previsão do
tempo é sempre de curto prazo.
O clima é mais complicado ainda
que a previsão do tempo. Portanto, o
consenso na redução da incerteza desarma os céticos e convence governos
e empresários.
Em segundo lugar, deu-se maior
atenção aos casos extremos, e não só
à média no comportamento do sistema climático. Aí se revelam os fenômenos severos, como furacões, chuvas intensas etc.
As conclusões apontam que a intensificação do efeito estufa pela ação
humana contribui para anomalias
que estão ocorrendo: temperaturas
malucas, degelo anormal no Pólo
Norte e, no Atlântico Sul, o furacão
Catarina que atingiu o Brasil.
Essa foi uma novidade, pois, antes,
só se previam os efeitos da mudança
do clima para daqui a 50 ou 100 anos,
quando os efeitos serão graves, como
a perda de parte da floresta amazônica, a desertificação do cerrado nordestino, a elevação do nível do mar
em alguns decímetros, a redução da
produção de alimentos. O quadro
atual alerta para a necessidade de
adaptação às novas condições.
As metas do Protocolo de Quito para 2008-2012 não serão suficientes
para estabilizar a concentração de
CO2 e outros gases na atmosfera, segundo cenários do IPCC que apontam para níveis de emissão elevados.
Há o crescimento do consumo de
energia na China, onde se populariza
o automóvel, mas os países ocidentais têm consumo per capita muito
maior.
Entra aqui uma questão ética, em
geral evitada pelo individualismo da
globalização de estilo neoliberal. É
possível atacar o problema sem mexer nesse padrão de consumo?
Alguns propõem soluções tecnológicas -algumas extravagantes, como
satélites com espelhos para refletir a
luz solar, outras factíveis, como carros híbridos elétricos, pilhas a combustível, energia eólica e solar ou nuclear, seqüestro do CO2, melhorias na
eficiência dos equipamentos etc...
Porém, é necessária a racionalização do uso da energia, como reciclar e
fazer uso energético de resíduos,
proibir grandes carros ou enormes
caminhonetes pesadas de uso pessoal
urbano com alto consumo de gasolina, incentivar o álcool nos carros
"flex fuel" e estimular o uso do transporte coletivo.
No Brasil, nos choques do petróleo,
o uso de carros foi restringido e o carro a álcool foi incentivado. Os trens
suburbanos chegaram a transportar 1
milhão de pessoas por dia no Rio, mas
hoje transportam apenas 400 mil.
O Brasil tem a vantagem de usar
em grande escala álcool combustível,
de modo que o CO2 emitido é reabsorvido no crescimento da cana. Usa
hidrelétricas, que emitem muito menos gases do que as termelétricas.
Entretanto, a termeletricidade tem
crescido demais. O consumo per capita é baixo. O consumo de uma família pobre é quase nada e, portanto, deve aumentar com o Programa de Aceleração do Crescimento, o Luz para
Todos e o Bolsa Família. Enquanto isso, as classes média e alta consomem
muito e não devem ficar isentas de
obrigações, nem aqui nem no resto
do mundo.
A maior parte das emissões brasileiras vem do desmatamento, que representa um pequeno percentual das
emissões globais e foi reduzido nos
dois últimos anos. Mas ainda há desmatamento ilegal a ser combatido.
Há, entretanto, uma confusão. Deve ficar claro que, se o mundo continuar aumentando suas emissões no
ritmo atual, parte da floresta será
perdida mesmo que se interrompa
hoje o desmatamento.
Não há solução em um só país. A
Amazônia será vítima do efeito estufa
global. O Brasil, com sua boa articulação diplomática na América do Sul e
também com a África do Sul e a Índia,
deve propor uma coalizão dentro da
Convenção do Clima para acelerar a
redução das emissões.
LUIZ PINGUELLI ROSA, 65, físico, é coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ
(Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança Climática. Foi presidente da Eletrobrás (2003-04) e autor do terceiro relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudança do Clima).
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall'acqua: O direito à anistia
Índice
|