São Paulo, terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

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Ciclo verde

É desejável que o Brasil eleve a eficiência de sua pecuária e libere novas áreas para a produção de biocombustíveis

EM QUE PESE o refluxo da negociação internacional para combater o aquecimento global, após o fiasco de Copenhague, biocombustíveis estão em alta no mundo. No Brasil, país que está entre os líderes do setor, o lance mais recente foi a associação entre a petroleira Shell e a Cosan. É mais um passo para fazer do álcool uma commodity, ou seja, transformá-lo em produto com cotação internacional, negociado em bolsas de mercadorias.
A tendência é irreversível. Mesmo com futuras altas do preço do petróleo, que viabilizem prospecção e exploração de novas jazidas, trata-se de um recurso não renovável. O mesmo vale para o carvão e o gás natural, que completam a tríade dos chamados combustíveis fósseis.
Biocombustíveis -seja o álcool de cana ou milho, seja o biodiesel de oleaginosas como soja e dendê- constituem a alternativa à mão para uma reforma sem solavancos da civilização do petróleo. Eles têm a vantagem de capturar de volta da atmosfera a maior parte do CO2 emitido na queima, quando as plantas que lhes servem de matéria-prima crescerem na safra seguinte.
Comparados com os fósseis, cuja combustão lança na atmosfera carbono estocado há milhões de anos no interior da Terra, os biocombustíveis só contribuiriam marginalmente para o aquecimento global. Mas há obstáculos a essa "marcha verde".
Há riscos de que o aumento da área plantada devaste matas. A queima da biomassa florestal lançaria no ar o carbono ali armazenado, contribuindo para agravar o efeito estufa. O exemplo clássico é o biodiesel de dendê, cuja exploração foi decisiva para o desmatamento na Ásia.
Os produtores nacionais de álcool combustível e biodiesel alegam que o caso do Brasil foge a esse padrão. Aqui, a expansão da cana e da soja se dá sobre áreas de pastagem. Mas estudo recente, publicado pelo ecólogo paulista David Lapola, da Universidade de Kassel (Alemanha), no prestigiado periódico científico americano "PNAS" sustenta que, de modo indireto, os biocombustíveis contribuem para o desflorestamento.
Pelas contas de Lapola, a meta para 2020, de elevar em 35 bilhões de litros a produção brasileira de álcool e em 4 bilhões a de biodiesel de soja, levaria à conversão de 60 mil km2 de florestas em pastagens -área maior que a da Paraíba. A economia de carbono obtida com os combustíveis renováveis precisaria de 250 anos para compensar as emissões pela devastação.
Engana-se quem concluir que o pesquisador paulista se aliou aos inimigos da principal agroindústria de seu Estado natal. Lapola ressalva que não produziu uma profecia, mas dados que devem servir para orientar o planejamento da agropecuária.
Um aumento da ordem de 10% na produtividade da pecuária bovina, com mais cabeças por hectare e recuperação de pastagens degradadas, liberaria toda a área de que a soja e a cana necessitam para aplacar a sede planetária por biocombustíveis.


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