|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Ciclo verde
É desejável que o Brasil eleve a eficiência de sua pecuária e libere novas áreas para a produção
de biocombustíveis
EM QUE PESE o refluxo da
negociação internacional
para combater o aquecimento global, após o fiasco de Copenhague, biocombustíveis estão em alta no mundo. No
Brasil, país que está entre os líderes do setor, o lance mais recente
foi a associação entre a petroleira Shell e a Cosan. É mais um
passo para fazer do álcool uma
commodity, ou seja, transformá-lo em produto com cotação internacional, negociado em bolsas de mercadorias.
A tendência é irreversível.
Mesmo com futuras altas do preço do petróleo, que viabilizem
prospecção e exploração de novas jazidas, trata-se de um recurso não renovável. O mesmo vale
para o carvão e o gás natural, que
completam a tríade dos chamados combustíveis fósseis.
Biocombustíveis -seja o álcool de cana ou milho, seja o biodiesel de oleaginosas como soja e
dendê- constituem a alternativa à mão para uma reforma sem
solavancos da civilização do petróleo. Eles têm a vantagem de
capturar de volta da atmosfera a
maior parte do CO2 emitido na
queima, quando as plantas que
lhes servem de matéria-prima
crescerem na safra seguinte.
Comparados com os fósseis,
cuja combustão lança na atmosfera carbono estocado há milhões de anos no interior da Terra, os biocombustíveis só contribuiriam marginalmente para o
aquecimento global. Mas há obstáculos a essa "marcha verde".
Há riscos de que o aumento da
área plantada devaste matas. A
queima da biomassa florestal
lançaria no ar o carbono ali armazenado, contribuindo para
agravar o efeito estufa. O exemplo clássico é o biodiesel de dendê, cuja exploração foi decisiva
para o desmatamento na Ásia.
Os produtores nacionais de álcool combustível e biodiesel alegam que o caso do Brasil foge a
esse padrão. Aqui, a expansão da
cana e da soja se dá sobre áreas
de pastagem. Mas estudo recente, publicado pelo ecólogo paulista David Lapola, da Universidade de Kassel (Alemanha), no
prestigiado periódico científico
americano "PNAS" sustenta
que, de modo indireto, os biocombustíveis contribuem para o
desflorestamento.
Pelas contas de Lapola, a meta
para 2020, de elevar em 35 bilhões de litros a produção brasileira de álcool e em 4 bilhões a de
biodiesel de soja, levaria à conversão de 60 mil km2 de florestas
em pastagens -área maior que a
da Paraíba. A economia de carbono obtida com os combustíveis renováveis precisaria de 250
anos para compensar as emissões pela devastação.
Engana-se quem concluir que
o pesquisador paulista se aliou
aos inimigos da principal agroindústria de seu Estado natal. Lapola ressalva que não produziu
uma profecia, mas dados que devem servir para orientar o planejamento da agropecuária.
Um aumento da ordem de 10%
na produtividade da pecuária
bovina, com mais cabeças por
hectare e recuperação de pastagens degradadas, liberaria toda a
área de que a soja e a cana necessitam para aplacar a sede planetária por biocombustíveis.
Próximo Texto: Editoriais: Desafio americano
Índice
|