São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A vez do Brasil

Armou-se grande confusão no mundo. Ela começa a se dissipar. Desse avanço pode o Brasil ser ao mesmo tempo agente e beneficiário.
A discussão programática contemporânea parece se estreitar cada vez mais. Três correntes de idéias vêm dominando o debate. A primeira corrente -de neoliberais- abraça o que lhe parece mero bom senso. Mercados devem ser livres. Governos devem viver dentro dos seus meios. O livre comércio entre as nações deve aumentar para que os países mais pobres se possam desenvolver sob a influência da imitação e da integração econômicas.
Os neoliberais sérios sempre tiveram, porém, o cuidado de distinguir esse ideário da rendição aos interesses financeiros: muitos defendem, inclusive, limites fortes à livre movimentação dos capitais. E insistem na importância do investimento social, sobretudo em educação.
Um segundo grupo, de social-democratas, identifica no esforço de reconciliar a tradição européia de proteção social com a flexibilidade econômica das práticas americanas a única maneira segura de preservar a essência dos seus compromissos históricos. Encolhe a social-democracia para salvá-la. E acaba convergindo com os neoliberais críticos na defesa dos compromissos sociais e das restrições aos interesses financeiros.
Um terceiro grupo -de esquerdistas ou ex-esquerdistas- reconhece a morte do estatismo. Quer dar conteúdo institucional à alternativa progressista que procura. Mas não sabe como. Termina empurrado para o mesmo programa mínimo dos neoliberais comedidos e dos social-democratas amedrontados.
Os três grupos desejam abrir rumos divergentes. Não conseguem. Acabam na prática propondo mais ou menos a mesma coisa. Esse minimalismo compartilhado não presta porque não resolve os problemas reais, a começar pela desigualdade incapacitadora no acesso aos meios de auto-ajuda e de iniciativa.
A confusão começa a ser desfeita pela descoberta de um contraste que se transforma no novo eixo organizador do debate programático em todo o mundo. De um lado, ficarão aqueles que aceitam as instituições políticas e econômicas atuais como horizonte que não pode ser ultrapassado. Apenas pode ser humanizado. Do outro lado, estarão aqueles para quem uma sequência de inovações institucionais pode aprofundar a democracia e democratizar o mercado, abrindo a sociedade para o experimentalismo. Estes aceitam a globalização, mas insistem em reorientá-la. E sabem que essa reorientação exige a redescoberta de projetos fortes de desenvolvimento nacional. Para eles não há meio-termo entre ser país de verdade e decair à condição de protetorado.
No plano das idéias surgem propostas que enfrentam doutrinas reinantes sem regredir a ideários peremptos. (Vejam, por exemplo, os textos no site www.sopde.org)
Na experiência da política ganham corpo, em alguns dos grande países periféricos, as pequenas inovações institucionais que podem servir de material às alternativas fecundas.
Chega, com isso, o momento do Brasil. Como alguém que tem viajado pelo mundo participando do novo debate, posso afirmar não haver país que reúna melhores condições do que o nosso para protagonizar construção desenvolvimentista e democratizante que abra caminhos para muitos. Preparemo-nos, por atos de despojamento e por esforços de imaginação, para uma hora de grandeza.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.

www.idj.org



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