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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A vez do Brasil
Armou-se grande confusão no
mundo. Ela começa a se dissipar.
Desse avanço pode o Brasil ser ao
mesmo tempo agente e beneficiário.
A discussão programática contemporânea parece se estreitar cada vez
mais. Três correntes de idéias vêm dominando o debate. A primeira corrente -de neoliberais- abraça o que lhe
parece mero bom senso. Mercados
devem ser livres. Governos devem viver dentro dos seus meios. O livre comércio entre as nações deve aumentar
para que os países mais pobres se possam desenvolver sob a influência da
imitação e da integração econômicas.
Os neoliberais sérios sempre tiveram, porém, o cuidado de distinguir
esse ideário da rendição aos interesses
financeiros: muitos defendem, inclusive, limites fortes à livre movimentação dos capitais. E insistem na importância do investimento social, sobretudo em educação.
Um segundo grupo, de social-democratas, identifica no esforço de reconciliar a tradição européia de proteção social com a flexibilidade econômica das práticas americanas a única
maneira segura de preservar a essência dos seus compromissos históricos.
Encolhe a social-democracia para salvá-la. E acaba convergindo com os
neoliberais críticos na defesa dos compromissos sociais e das restrições aos
interesses financeiros.
Um terceiro grupo -de esquerdistas ou ex-esquerdistas- reconhece a
morte do estatismo. Quer dar conteúdo institucional à alternativa progressista que procura. Mas não sabe como.
Termina empurrado para o mesmo
programa mínimo dos neoliberais comedidos e dos social-democratas
amedrontados.
Os três grupos desejam abrir rumos
divergentes. Não conseguem. Acabam
na prática propondo mais ou menos a
mesma coisa. Esse minimalismo compartilhado não presta porque não resolve os problemas reais, a começar
pela desigualdade incapacitadora no
acesso aos meios de auto-ajuda e de
iniciativa.
A confusão começa a ser desfeita pela descoberta de um contraste que se
transforma no novo eixo organizador
do debate programático em todo o
mundo. De um lado, ficarão aqueles
que aceitam as instituições políticas e
econômicas atuais como horizonte
que não pode ser ultrapassado. Apenas pode ser humanizado. Do outro
lado, estarão aqueles para quem uma
sequência de inovações institucionais
pode aprofundar a democracia e democratizar o mercado, abrindo a sociedade para o experimentalismo. Estes aceitam a globalização, mas insistem em reorientá-la. E sabem que essa
reorientação exige a redescoberta de
projetos fortes de desenvolvimento
nacional. Para eles não há meio-termo
entre ser país de verdade e decair à
condição de protetorado.
No plano das idéias surgem propostas que enfrentam doutrinas reinantes
sem regredir a ideários peremptos.
(Vejam, por exemplo, os textos no site
www.sopde.org)
Na experiência da política ganham
corpo, em alguns dos grande países
periféricos, as pequenas inovações
institucionais que podem servir de
material às alternativas fecundas.
Chega, com isso, o momento do
Brasil. Como alguém que tem viajado
pelo mundo participando do novo
debate, posso afirmar não haver país
que reúna melhores condições do que
o nosso para protagonizar construção
desenvolvimentista e democratizante
que abra caminhos para muitos. Preparemo-nos, por atos de despojamento e por esforços de imaginação,
para uma hora de grandeza.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org
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