São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

No combate ao terrorismo, liberdades individuais podem sofrer restrições?

NÃO

Defesa, sim, mas com liberdade

DALMO DE ABREU DALLARI

As ações terroristas estão entre os crimes mais abomináveis. Além da covardia dos criminosos, que nunca se expõem e, com freqüência, usam fanáticos ingênuos para a execução material dos atos de violência, atingem vítimas indiscriminadas e absolutamente indefesas, matando e ferindo quem estiver no local das violências, tratando toda a humanidade como inimiga. Não existe nenhuma justificativa para os atos terroristas, seja qual for o pretexto dos criminosos, pois nenhum objetivo nobre, como a conquista da independência ou da democracia, pode servir de cobertura para a prática de crimes planejados e executados com frieza e crueldade.
O terrorismo é um dos grandes males de nossa época. A par das ações terroristas muito freqüentes, que têm feito um pequeno número de vítimas, algumas ações mais audaciosas e mais violentas vitimaram multidões em diversas partes do mundo, suscitando a necessidade de reação e de medidas defensivas. Foram palcos de ações terroristas de grande violência a cidade de Nova York, em setembro de 2001, depois Madri, em 11 de março de 2004, e, mais recentemente, em 7 de julho deste ano, foi Londres o palco de mais uma ação terrorista extremamente cruel e violenta.
Essas ocorrências terríveis colocam o problema do que fazer, como reagir, como impedir, ou, pelo menos, tentar impedir novas ações terroristas, ou qual a reação mais adequada para desencorajar o terrorismo.
Um grande risco para a humanidade é a reação exagerada, uma espécie de terrorismo de encontro, espalhando temor e insegurança, tratando a todos como terroristas em potencial, fazendo, em última análise, o que parece ser o objetivo dos terroristas, que é a criação de um ambiente de terror.
Essa questão foi objeto de intensa discussão em uma reunião promovida pela Comissão Internacional de Juristas e realizada em Berlim, em agosto de 2004. Durante três dias, estiveram reunidos juristas de diferentes partes do mundo, inclusive do Brasil, discutindo precisamente a ameaça do terrorismo e como combatê-lo.
No final daquela reunião foi aprovado um documento, que foi intitulado "Declaração de Berlim sobre a Defesa dos Direitos Humanos e do Estado de Direito na Luta Contra o Terrorismo", contendo observações que, embora elaboradas numa reunião de juristas, dirigem-se a toda a humanidade.
Relembrando que a Liga das Nações já qualificou o terrorismo como crime internacional na segunda década do século 20 e considerando as ações terroristas mais recentes, que vitimaram milhares de pessoas indefesas, os juristas condenaram com veemência todas as ações desse tipo.
Ao mesmo tempo, os participantes da Conferência de Berlim analisaram os meios de combatê-lo, acentuando a responsabilidade do Estado, mas advertindo para a necessidade de que os advogados, o Poder Judiciário e o Ministério Público estejam muito atentos e tenham um papel ativo, para que a prevenção do terrorismo e o combate às ações terroristas não sejam tomados como pretextos para a prática do terrorismo de Estado. O cerceamento da liberdade, a restrição a direitos, o desrespeito aos princípios constitucionais jamais poderão ser admitidos, pois são conquistas da humanidade, essenciais para a convivência democrática.
Segundo a Declaração de Berlim, os Estados têm a obrigação de adotar medidas eficazes contra os atos de terrorismo, cabendo-lhes, de acordo com o direito internacional, o direito e o dever de proteger a segurança de todos os indivíduos. Mas, como também acentuou a declaração, "não há nenhuma oposição entre o dever dos Estados de proteger os direitos das pessoas ameaçadas pelo terrorismo e sua responsabilidade de assegurar que a proteção da segurança não solape os demais direitos. Pelo contrário, proteger os indivíduos dos atos terroristas e respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana fazem parte da mesma rede integrada de proteção que incumbe ao Estado".
O terrorismo deve ser rejeitado e combatido com rigor, exercendo-se vigilância e procurando-se identificar culpados, mas sem que isso signifique a anulação dos direitos assegurados pela Constituição e a morte da liberdade, para que não se acabe aderindo às táticas terroristas, instituindo um terrorismo de Estado.


Dalmo de Abreu Dallari, 73, advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, é membro da Comissão Internacional de Juristas e coordenador da Cátedra Unesco/USP de Educação para os Direitos Humanos. É autor, entre outras obras, de "O Futuro do Estado".


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