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TENDÊNCIAS/DEBATES
No combate ao terrorismo, liberdades individuais podem sofrer restrições?
NÃO
Defesa, sim, mas com liberdade
DALMO DE ABREU DALLARI
As ações terroristas estão entre os
crimes mais abomináveis. Além da
covardia dos criminosos, que nunca se
expõem e, com freqüência, usam fanáticos ingênuos para a execução material
dos atos de violência, atingem vítimas
indiscriminadas e absolutamente indefesas, matando e ferindo quem estiver
no local das violências, tratando toda a
humanidade como inimiga. Não existe
nenhuma justificativa para os atos terroristas, seja qual for o pretexto dos criminosos, pois nenhum objetivo nobre,
como a conquista da independência ou
da democracia, pode servir de cobertura para a prática de crimes planejados e
executados com frieza e crueldade.
O terrorismo é um dos grandes males
de nossa época. A par das ações terroristas muito freqüentes, que têm feito um
pequeno número de vítimas, algumas
ações mais audaciosas e mais violentas
vitimaram multidões em diversas partes do mundo, suscitando a necessidade
de reação e de medidas defensivas. Foram palcos de ações terroristas de grande violência a cidade de Nova York, em
setembro de 2001, depois Madri, em 11
de março de 2004, e, mais recentemente, em 7 de julho deste ano, foi Londres o
palco de mais uma ação terrorista extremamente cruel e violenta.
Essas ocorrências terríveis colocam o
problema do que fazer, como reagir, como impedir, ou, pelo menos, tentar impedir novas ações terroristas, ou qual a
reação mais adequada para desencorajar o terrorismo.
Um grande risco para a humanidade é
a reação exagerada, uma espécie de terrorismo de encontro, espalhando temor
e insegurança, tratando a todos como
terroristas em potencial, fazendo, em
última análise, o que parece ser o objetivo dos terroristas, que é a criação de um
ambiente de terror.
Essa questão foi objeto de intensa discussão em uma reunião promovida pela
Comissão Internacional de Juristas e
realizada em Berlim, em agosto de 2004.
Durante três dias, estiveram reunidos
juristas de diferentes partes do mundo,
inclusive do Brasil, discutindo precisamente a ameaça do terrorismo e como
combatê-lo.
No final daquela reunião foi aprovado
um documento, que foi intitulado "Declaração de Berlim sobre a Defesa dos
Direitos Humanos e do Estado de Direito na Luta Contra o Terrorismo", contendo observações que, embora elaboradas numa reunião de juristas, dirigem-se a toda a humanidade.
Relembrando que a Liga das Nações já
qualificou o terrorismo como crime internacional na segunda década do século 20 e considerando as ações terroristas
mais recentes, que vitimaram milhares
de pessoas indefesas, os juristas condenaram com veemência todas as ações
desse tipo.
Ao mesmo tempo, os participantes da
Conferência de Berlim analisaram os
meios de combatê-lo, acentuando a responsabilidade do Estado, mas advertindo para a necessidade de que os advogados, o Poder Judiciário e o Ministério
Público estejam muito atentos e tenham
um papel ativo, para que a prevenção do
terrorismo e o combate às ações terroristas não sejam tomados como pretextos para a prática do terrorismo de Estado. O cerceamento da liberdade, a restrição a direitos, o desrespeito aos princípios constitucionais jamais poderão
ser admitidos, pois são conquistas da
humanidade, essenciais para a convivência democrática.
Segundo a Declaração de Berlim, os
Estados têm a obrigação de adotar medidas eficazes contra os atos de terrorismo, cabendo-lhes, de acordo com o direito internacional, o direito e o dever
de proteger a segurança de todos os indivíduos. Mas, como também acentuou
a declaração, "não há nenhuma oposição entre o dever dos Estados de proteger os direitos das pessoas ameaçadas
pelo terrorismo e sua responsabilidade
de assegurar que a proteção da segurança não solape os demais direitos. Pelo
contrário, proteger os indivíduos dos
atos terroristas e respeitar os direitos
fundamentais da pessoa humana fazem
parte da mesma rede integrada de proteção que incumbe ao Estado".
O terrorismo deve ser rejeitado e combatido com rigor, exercendo-se vigilância e procurando-se identificar culpados, mas sem que isso signifique a anulação dos direitos assegurados pela
Constituição e a morte da liberdade, para que não se acabe aderindo às táticas
terroristas, instituindo um terrorismo
de Estado.
Dalmo de Abreu Dallari, 73, advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito
da USP, é membro da Comissão Internacional de
Juristas e coordenador da Cátedra Unesco/USP
de Educação para os Direitos Humanos. É autor,
entre outras obras, de "O Futuro do Estado".
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