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CLÓVIS ROSSI
O diplomata e o engana-trouxa
SÃO PAULO - Na sexta-feira passada, acompanhei inadvertidamente um diálogo que me pareceu de
outro planeta. Um diplomata brasileiro, lotado na embaixada em Roma, mas já transferido para o Paraguai, acertava ao celular detalhes de um coquetel que seria servido em
evento cultural organizado pela
embaixada.
O diplomata insistia com o interlocutor que a empresa também interessada no evento pagasse parte
das despesas. "Ou eles pagam os comes e bebes e nós os garçons, ou vice-versa", dizia. Arrematava: "É
preciso cuidar do dinheiro da viúva" (viu, Elio Gaspari, como você
faz a cabeça das pessoas, algumas
pelo menos?).
Se eu já tivesse completado o percurso do ceticismo ao cinismo, até
poderia suspeitar que o rapaz dizia
o que dizia para que eu ouvisse. Nada disso. Eu estava entretido ouvindo a gravação da entrevista que o
presidente Lula concedera pouco
antes e só prestei a atenção na conversa pelo choque que me causou a
defesa dos cofres públicos.
E olhe que um coquetel custa fração mínima dos gastos legais ou ilegais, mas de todo modo escandalosos, dos episódios do Senado.
O que torna a conversa inadvertidamente ouvida mais interessante
é o fato de que nenhum senador se
interessou, ao contrário do diplomata, em saber como e em que o Senado gasta o que gasta. Se um só o
tivesse feito, certamente teria sido
poupado dinheiro público suficiente para custear todos os coquetéis
de todas as embaixadas em todas as
cidades do mundo -e ainda sobraria muito, muito, muito.
É por isso, entre outros motivos,
que acho que só há uma solução
verdadeira para a crise do Senado: a
dissolução da Casa e a convocação
imediata de novos eleições.
Não há dispositivos legais que
permitam essa saída? Ok, então, tudo vai ficar no clássico engana-trouxa em que os políticos brasileiros se especializaram.
crossi@uol.com.br
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