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VINICIUS TORRES FREIRE
Beira-Mar, crime e revolução
SÃO PAULO - "Um dia, o morro desce." A frase é familiar para quem viveu no Rio ou conheceu a cidade dos
anos 60 aos 70. Era a expressão de
uma vaga consciência culpada de elite ou de "nonchalance" cínica, decadente, um espírito de "últimos dias de
paupéria". Mas a todos parecia previsível alguma revolta popular, que,
pensava-se ingenuamente, poderia
até tomar a forma de revolução.
"O morro" (favelas e cortiços de
qualquer cidade) desceu, em especial
a partir dos anos 80. Mas, como os
tempos eram de individualismo e privatização, o "morro" pediu passagem
na forma da empresa criminosa do
tráfico, do empreendedorismo da microempresa do sequestro, do bico do
assalto no sinal de trânsito.
"Sempre digo que, quando a vida se
degrada e a esperança sai do coração
dos homens, só a revolução", disse
Oscar Niemeyer na Folha de sábado.
O velho arquiteto comunista é um sobrevivente de corpo e espírito dos
tempos em que se pensava generosamente que o Brasil seria uma civilização: onde as pessoas comem, têm vacinas, lêem livros e pensam com a
própria cabeça os problemas nacionais. Um país criativo e decente.
Mas o cruel reacionarismo brasileiro, uma ditadura militar e 20 anos de
crise degradaram a vida e expulsaram a esperança sem que fôssemos à
revolução, de resto uma bobice.
O velho cinismo da elite ora é compartilhado pelos pobres, que em parte, ainda ínfima, foram ao crime.
Quem conversa com garotos pobres
percebe o quanto é comum o "niilismo de massa", a descrença sem limites no futuro, numa vida regular, a
indiferença em relação à morte. Eles
podem ser reconvertidos à esperança? Pior, vai haver esperança?
Isso não tem remédio tão cedo, pois
foi obra de um descaso de décadas.
Pensando bem, a situação talvez ainda piore. Parte do Estado (polícia,
Justiça, cárceres e até governos e parlamentos têm cabeças-de-praia do
crime) apodreceu e criou um caldo de
cultura para Beira-Mares. E, enfim, o
crime pior é contra os próprios pobres, pretos e pardos, a maioria dos
trucidados e violentados em geral. O
morro ainda não desceu todo.
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