São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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ALCA OU ANTÁRTIDA

A "boutade" do chefe do escritório de comércio norte-americano, Robert Zoellick, sobre a adesão do Brasil à Alca deve ser entendida como uma provocação. No jornal "The Miami Herald", Zoellick afirmou que, se uma eventual administração Lula quiser "tomar o rumo sul, para a Antártida, nós olharemos para o leste e para o oeste." Trata-se de uma alusão a uma conhecida profecia que diz que, se o Brasil não quiser a Alca, ficará em posição isolada no continente. É saudável proceder a uma análise crítica dessa tese.
Relações de comércio também são, como ilustra o comportamento agressivo do representante norte-americano, disputas de poder. Acordos comerciais desequilibrados transferem riqueza de um país a outro. É evidente que, nas tratativas da Alca, o poder negociador dos americanos é bem maior que o dos brasileiros. O contexto de crise financeira no Brasil amplia essa diferença.
Mas seria simplismo concluir, a partir daí, que o Brasil só tem a perder numa negociação com os EUA ou que mesmo uma Alca que contrarie os interesses do Brasil é inevitável. Na hipótese de os americanos aceitarem, no âmbito da Alca, desfazer seu protecionismo não-tarifário, um acordo com os EUA pode começar a interessar ao Brasil. Esse é o centro da questão, que tanto o programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva quanto o de José Serra reconhecem.
Há constrangimentos enormes para que os americanos aceitem incluir esse tema nas negociações da Alca, a começar do mandato restritivo que o Congresso dos EUA concedeu a Bush para negociar acordos comerciais. Mas o Brasil, que assume a presidência da Alca com os EUA em novembro, deve insistir nesse ponto nas reuniões que virão.
Clareza de propósitos, pragmatismo, paciência e progressiva ampliação da relação com outros parceiros comerciais de peso que não os americanos são elementos-chave para que o Brasil não seja atropelado na Alca, o que, afinal, complicaria ainda mais a nossa capacidade de honrar compromissos externos.


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