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São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ainda sobre a formação do jornalista

FRED GHEDINI

Volto a este espaço para tratar da formação específica do jornalista, a "questão do diploma", como ficou conhecida, agora em resposta ao artigo de Maurício Tuffani publicado neste espaço em 14/8 ("Por um debate de boa qualidade").
Defendemos a exigência do curso universitário específico como garantia mínima à sociedade, para que os brasileiros sejam informados por profissionais com formação especializada. É evidente que a formação específica em jornalismo não garante que tenhamos profissionais éticos, que obedeçam a regra de ouro de ouvir as várias versões nas questões contraditórias, que reproduzam as declarações dos entrevistados com fidelidade, que procurem investigar com afinco as falcatruas do poder e dos poderosos, que sejam jornalistas preocupados com a justiça social e outros requisitos do bom profissional e do cidadão consciente.
Mas a formação específica deve permitir o conhecimento do código de ética da profissão, da legislação mais diretamente evolvida no nosso trabalho, dos conceitos fundamentais implicados nos processos de comunicação e das técnicas utilizadas, um conhecimento mínimo do cabedal cultural acumulado pela humanidade e de algumas especializações e deve induzir no futuro profissional uma preocupação quase obsessiva em checar as informações. E isso não é um hábito que se adquira facilmente. Basta olhar a coluna de cartas e o "Erramos", publicados diariamente aqui ao lado, apesar de todo o esforço realizado para reduzir o número de falhas.
A formação do jornalista deve, ainda, estimular o futuro profissional à leitura e ao aprimoramento constante do texto, sua principal ferramenta de trabalho.
A verdade é que, como em outras profissões, o jornalismo precisa de um espaço e um tempo adequados para ser cultivado. Ainda não se encontrou melhor espaço que a universidade. Nem melhor tempo que o da juventude.
Então, de onde vem a resistência a essa regra, afinal?
Entre os indivíduos, daqueles que já têm outras profissões, mas olham com uma certa cobiça para o jornalismo. Ou dos que estão exercendo irregularmente o jornalismo. Ou dos poucos que, mesmo tendo se formado em um curso de jornalismo, discordam da regra. O que não dá, a ninguém, o direito de desobedecer a lei.



Como em outras profissões, o jornalismo precisa de um espaço e um tempo adequados para ser cultivado


É verdade que nossa regulamentação profissional poderia ser uma lei estapafúrdia, um "entulho autoritário", como repetem alguns. Nesse caso, caberia a desobediência civil, como uma atitude de resistência, de luta. Acontece que o movimento sindical dos jornalistas sempre lutou por essa regra. A maioria esmagadora dos profissionais a defende. Na sociedade, essa regra tem sido muito bem aceita. E, por fim, a tese tem encontrado respaldo no Judiciário. Portanto não dá para caracterizá-la como uma imposição.
Tampouco a defesa da formação específica é uma atitude "corporativista", pois, afinal, os mais interessados em que o jornalista tenha uma formação mínima e, mais que isso, uma boa formação são os cidadãos e as cidadãs deste país, que têm o direito à informação inscrito entre os direitos fundamentais na Constituição (art. 5º, item XIV). Além disso, num país com mais de 200 cursos de jornalismo, o acesso à profissão está razoavelmente democratizado.
Mas a maior oposição à obrigatoriedade da formação universitária específica vem das empresas de mídia. Tanto é que o Sindicato das Empresas de Rádio e TV do Estado de São Paulo é um dos que participam da ação civil pública movida contra a regulamentação por um procurador do Ministério Público Federal de São Paulo, em 2001.
No nosso entender -e acredito falar aqui em nome de milhares de colegas jornalistas de todo o país e dos dirigentes dos sindicatos e da Federação Nacional dos Jornalistas-, as empresas que prezam o bom jornalismo não têm razão para se opor à lei. Ao contrário, elas deveriam ser as primeiras a fortalecer os cursos, a oferecer condições a seus profissionais para complementarem sua formação. Infelizmente, essa não é a regra. O que se vê hoje, nas empresas de mídia em geral, é o desinvestimento nas redações. Demissões, precarização das relações de trabalho e rebaixamento salarial.
Quero aproveitar este espaço tão precioso para me dirigir aos leitores da Folha fazendo dois reptos. Primeiro, àqueles que estão irregularmente atuando como jornalistas, que façam um curso de graduação específico em uma das escolas existentes, públicas ou privadas. Quando se tem humildade, por mais experientes que sejamos, carregamos sempre a certeza de que é possível aprender algo. A humildade é uma característica importante para o jornalista, que trabalha com a imagem pública das pessoas e instituições. E, se você acumulou uma boa experiência ao longo dos anos, certamente ela será de enorme valia para aprimorar o curso que você vier a frequentar. Afinal, é preciso encarar os fatos. E a exigência da formação específica na regulamentação da profissão dos jornalistas é um fato, agora confirmado pela decisão liminar da desembargadora Alda Basto. Um fato pelo qual tanto lutamos e continuaremos a lutar.
O segundo repto é às empresas. Que, em vez de procurarem segurar a roda a história, tentando impedir o avanço e o aprimoramento da nossa profissão, invistam mais na profissão e nos profissionais. Tenho certeza de que o respeitável público aplaudirá de pé.

Fred Ghedini, 51, é presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas para a Região Sudeste.


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